Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Mundialista Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Vilma Gryzinski
Se está no mapa, é interessante. Notícias comentadas sobre países, povos e personagens que interessam a participantes curiosos da comunidade global. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Em defesa de Natalie Portman: não tem nada de cisne negro

Ao se recusar a receber um prêmio em Israel para não ficar ao lado de Benjamin Netanyahu, a atriz exerceu um direito banal, o de não misturar pato com ganso

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 23 abr 2018, 08h05 - Publicado em 23 abr 2018, 07h40

“Quem desenvolve opiniões com base em evidências fracas, tem dificuldade em interpretar informações subsequentes que desmintam estas opiniões, mesmo que a nova informação seja obviamente mais precisa.”

O aforisma é de Nassim Nicholas Taleb, o genial autor da teoria do cisne negro, que trata da influência do acaso e da incerteza em grandes acontecimentos.

Nada a ver com a sinistra Odile, a feiticeira de plumas negras de O Lago dos Cisnes, interpretada no cinema por Neta-Lee Herschlag.

É este o nome original de Natalie Portman, que nasceu em Jerusalém e viveu desde os quatro anos nos Estados Unidos, primeiro, e agora na França, com o marido, o bailarino e coreógrafo Benjamin Millepied.

Bisneta de judeus chacinados em Auschwitz, a atriz está enrolada. Recusou-se a ir a Israel para receber o Prêmio Genesis, criado por um milionário de origem russa para homenagear judeus que se destacam no exterior  (Michael Bloomberg, Michael Douglas, Itzhak Pearlman e Anish Kapoor a precederam).

Foi um papelão, uma vez que uma premiação desse tipo é anunciada e negociada com grande antecedência. A explicação da atriz também foi trôpega.

Continua após a publicidade

“Não queria dar a impressão de apoiar Benjamin Netanyahu, que faria um discurso na cerimônia”, disse ela, exercendo o direito inalienável de não dividir o mesmo espaço com políticos intragáveis para os sentidos de cada um.

Como Netanyahu é primeiro-ministro há nove anos, será que Natalie só descobriu agora que cruzaria caminhos com ele?

“Os maus tratos aos que sofrem com as atrocidades de hoje simplesmente não combinam com meus valores judaicos”, disse ela. “Justamente porque amo Israel, devo tomar posição contra a violência, a corrupção, a desigualdade e o abuso de poder.”

Mais outro enigma temporal. O conflito com palestinos e outros árabes existe desde antes da criação do Estado de Israel, que recém completou 70 anos.

A luta literalmente existencial de Israel teve e continua a ter capítulos nada nobres, com métodos cruéis e além do necessário para a autodefesa. Guerra é um inferno.

Continua após a publicidade

Natalie poderia estar se referindo aos confrontos recentes, em que palestinos de Gaza, o território tomado e devolvido por Israel em 2005, foram incitados pelo Hamas e tentar derrubar a cerca que impede sua passagem para território israelense.

Mais de vinte pessoas foram mortas nessas circunstâncias.

Quais seriam as opções? Deixar que entrassem em Israel munidos de paus, facas, cutelos, machados, tesouras, martelos, bombas e variadas armas de fogo, como em tantos episódios precedentes, para matar cidadãos israelenses?

A recusa ao prêmio fez um bafafá em Israel. O país é pequeno, tem uma das trajetórias mais complicadas da história humana e praticamente todos seus habitantes judeus fazem uma mesma pergunta diante de qualquer acontecimento, grande ou pequeno: “Isso é bom para Israel?”.

O tipo de manifestações de apoio que Natalie Portman recebeu diz muito – invariavelmente, estenderam-se por todo o arco do antissemitismo.

Continua após a publicidade

As manifestações de repúdio entraram no terreno do ridículo, com um político propondo que a cidadania israelense da atriz fosse cassada.

Com sua beleza etérea e vontade férrea suficiente para interpretar convincentemente uma bailarina profissional (orientada pelo futuro marido), formada em psicologia em Harvard e agora “casada” com o ambiente artístico francês, Natalie Portman padece de um mal comum: o pensamento grupal das celebridades de simpatias mais à esquerda.

Pela falta de reflexão, como ela mesma depois teve a virtude de reconhecer, a atriz assinou em 2009 um manifesto de famosos de Hollywood pedindo a soltura de Roman Polanski.

Preso à época na Suíça, atendendo a um pedido de captura da justiça americana, o diretor é o único homem famoso, dentre tantos acusados, a ter assinado uma confissão de culpa num caso de abuso sexual.

Assinou e fugiu dos Estados Unidos, em 1977, para não cumprir pena por múltiplo estupro de uma menina de treze anos. Mais recentemente, outras três mulheres contaram ter sofrido violência sexual por parte do diretor, judeu polonês radicado na Suíça, quando eram adolescentes.

Continua após a publicidade

O reflexo condicionado que levou Natalie Portman a apoiar um abusador confesso, levou-a recentemente a responder assim a pergunta de um jornalista sobre se sentia nervosa por seu judia em Paris, devido ao aumento de casos de violência por antissemitismo.

“Sim”, disse ela. “Mas eu me sentiria nervosa se fosse um homem negro (nos Estados Unidos). Eu me sentiria nervosa por ser muçulmana em muitos lugares.”

Apesar do vício politicamente correto de nivelar as vítimas (onde existe o caso de uma senhora muçulmana de 85 anos morta a facadas e queimada por causa dessa característica, como aconteceu com a judia Mireille Knoll no mês passado em Paris?), Natalie Portman trouxe para a frente do palco um debate complicado e constante.

Quando as críticas a governos e políticos de Israel são perfeitamente legítimas e quando descambam para a desinformação voluntária e refratária a fatos (como definiu Taleb) e daí para  o campo tenebroso do antissemitismo?

E, para complicar, quando autoridades israelenses usam  acontecimentos históricos tenebrosos, como a perseguição a judeus e o monstruoso genocídio, como escudo contra críticas, sejam equilibradas ou destemperadas, como é da natureza delas?

Continua após a publicidade

Tudo isso é permanentemente discutido por judeus israelenses e de outros países. Entre os que não são membros da tribo, no terreno das conversas pessoais, uma frase sempre indica que vem coisa feia. “Eu não tenho nada contra judeus, mas…”

A ignorância dos fatos históricos a respeito do sionismo e de Israel é outra constante. A complexa situação dos palestinos, que nem eram chamados assim quando este capítulo começou, não tinham um país e nem uma identidade separada – embora tenham passado a ter todos estes sentimentos –  é praticamente desconhecida do “lado de fora”.

A ignorância do lado oposto também ocorre e não com pouca virulência.

No recente caso de uma lei mal pensada aprovada na Polônia, criminalizando a expressão “campos de extermínio poloneses”, para definir as abominações praticadas pela Alemanha na época do nazismo, fez aflorar um festival de desinformação e hostilidade brutal.

Até de apagar a própria história a Polônia foi acusada – justamente a Polônia, onde o passado tem um peso quase massacrante.

Yair Lapid, um bonitão que passou do jornalismo de televisão para a política e ambiciona substituir Benjamin Netanyahu, chegou a dizer que “centenas de milhares” de judeus foram mortos na Polônia durante a II Guerra por cidadãos comuns – multiplicando absurdamente os casos de desse tipo atrocidade.

Por criação, formação ideológica e cálculo político, o próprio Netanyahu é capaz tanto de dizer verdades incontestáveis – a quantidade de resoluções da ONU condenando Israel, por exemplo, comparada à inação nos inúmeros casos de muçulmanos matando muçulmanos – quanto de manipular fatos históricos.

Yacov Hirch, um americano que é simultaneamente jogador profissional de pôquer e crítico ferino do  “bibiísmo (por causa do apelido, Bibi), diz que Netanyahu é o maior representantes do “antissemitismo eliminacionista”.

A expressão nasceu do embate entre os historiadores Christopher Browning e Daniel Goldhagen sobre as causas de fundo do holocausto.

Homens comuns em circunstâncias incomuns podem praticar barbaridades incomensuráveis ou o ódio aos judeus enraizado na psique alemã criou uma uma inelutável sequência de brutalização (a qual se repete entre os inimigos de Israel hoje)?

Não existem respostas fáceis. Yacov Hirch, que é uma espécie de Noam Chomsky 2.0 – evidentemente sem o estofo intelectual do linguista violentamente antissionista -, transpõe assim o debate para o primeiro-ministro:

“Netanyahu cultivou uma visão de mundo de batalha constante entre as forças do bem e do mal. Chamou para si a autoridade de pesar e julgar o que é o bem e o que é o mal.”

Mas como evitar esse tipo de julgamento quando se é o chefe de governo de um país com inimigos que dão até a data para a sua aniquilação (25 anos, segundo a mais recente ameaça de um representante do regime iraniano, o general Abddolrahim Mousavi, comandante do Exército)?

É possível interpretar a ameaça como reação às bombas israelenses que têm destruído bases militares e o orgulho iraniano na Síria. Também é possível levá-las ao pé da letra.

“As coisas sempre se tornam óbvias depois dos fatos”, diz Nassim Nicholas Taleb. O autor de O Cisne Negro é de família libanesa cristã e conhece uma coisa ou duas sobre viver e sobreviver no Oriente Médio.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.