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Por Vilma Gryzinski
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Dresden, 75 anos: o holocausto alemão de que não é bom falar

O bombardeio incendiário da cidade foi feito pelo “lado do bem” durante a II Guerra, mas as questões morais continuam as mesmas: vale tudo na guerra?

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 30 jul 2020, 19h09 - Publicado em 14 fev 2020, 14h29

No dia 14 de fevereiro de 1945,  já havia uns 30 mil alemães incinerados vivos em Dresden. Ou 50 mil? Até hoje não se sabe o número certo.

Outros tantos ainda iam morrer no dia seguinte.

De 13 a 15 daquele mês, a cidade histórica seria literalmente derrubada pelas bombas e os incêndios subsequentes. Foram 2.400 toneladas de explosivos e 1.200 de bombas incendiárias.

A perversidade monstruosa, quando não inútil, da Alemanha nazista continua a provocar repúdio e horror.

Com os 75 anos do fim da II Guerra, e suas diversas cerimônias comemorativas, inclusive a libertação dos campos de extermínio, da barbárie nazista, com a intransponível contradição de ter sido cometida por uma país altissimamente civilizado e culto, as feridas são inevitavelmente reabertas.

Mais difícil e moralmente complicado é tratar do que talvez tenha sido a mais brutal ação das forças aliadas cometida na Europa.

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Dresden é uma chaga na consciência dos que não aceitam respostas fáceis.

E como é fácil encontrar argumentos, se não fáceis, dignos de consideração: o inimigo era o nazismo, a Alemanha tinha iniciado a hedionda “guerra total”, sem diferenciar entre combatentes e civis. 

Stálin exigia os bombardeios, já que o desembarque aliado pela França ainda estava apenas nos planos, para “amaciar” os alemães diante do inexorável avanço do Exército Vermelho, que culminaria com a queda de Berlim, em 2 de maio daquele ano.

Isso tinha sido decidido apenas semanas antes, na conferência de Ialta, entre Franklin Roosevelt, Winston Churchill e o próprio Stálin.

Apenas cinco anos antes, era a Alemanha a agressora de civis inocentes. Faltava só a Inglaterra para ter o domínio total da Europa. Chegou perto disso. 

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Entre setembro de 1940 e maio de 1941, fábricas, indústrias, instalações militares e alvos que deveriam ser preservados, incluindo o Parlamento e patrimônios culturais como a catedral de Coventry, foram bombardeados.

Cerca de 40 mil pessoas morreram na Blitz.

Por causa disso, prevaleceu a versão de que Churchill autorizou o bombardeio de Dresden – primeiro foram os ingleses, depois os americanos – como uma espécie de vingança.

É uma explicação simplista para os horrores da guerra. Resumidamente, segundo o historiador Chris Harmon, Chuchill não era muito inclinado ao bombardeio em massa de áreas civis, “mas começou a entender sua tétrica necessidade depois de ver como os ataques aéreos alemães devastaram Varsóvia e Roterdã”.

Harmon escreveu um livro sobre o tema, intitulado Nós Somos Feras?.

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As feras estavam soltas, dentro do complicado quadro acima resumido, na Operação Trovoada. Os heróicos pilotos da Royal Air Force, os mocinhos, os ases do lado bom da força, fizeram o que se esperava deles.

Uma das descrições mais torturantes foi feita por um inglês, um prisioneiro de guerra chamado Victor Gregg.

Em 13 de fevereiro, em sua cela num campo de trabalhos forçados ao lado de Dresden, ele viu “o dia virar noite”. Os traçadores e depois as bombas de fósforo começaram a cair. Uma parede da prisão desmoronou, Gregg tentou fugir. 

Os sobreviventes estavam fazendo a mesma coisa. A cidade estava coalhada de corpos humanos, muitos “encolhidos” para menos de 1 metro pelo calor. Abaixo de 3 anos, as crianças haviam simplesmente evaporado. Era como uma Hiroshima sem a parte nuclear.

Ao todo, 6,5 quilômetros quadrados da área central da linda cidade alemã foram destruídos, prédios com estruturas de madeira simplesmente desmoronando. As pessoas eram incineradas vivas.

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Em muitos abrigos antiaéreos transformados em câmaras de morte, o calor infernal deixou apenas ossos, trapos de roupas e camadas líquidas de gordura derretida de corpos humanos.

Convocado, sob ameaça de arma, a entrar para uma equipe de resgate alemã, Victor Gregg continuou a ver cenas dantescas.

“O horror gravado a fogo na minha memória, impossível de ser apagado. Até hoje me desperta à noite”, relatou Gregg – 100 anos completados em outubro.

Os alemães não votaram em Hitler, apoiaram em grande maioria a guerra, ignoraram o genocídio dos judeus, celebraram o domínio torturante sobre tantos países europeus? Não mereciam isso tudo? Não foram eles que provocaram isso para si mesmos?

É dever moral de todos nós, mesmo 75 anos, responder.

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Curiosamente, em especial na Inglaterra, políticos da direita tradicional argumentam até hoje em favor do bombardeio de Dresden. 

Vencer o nazismo era tão mais importante do que tudo, mais até que as considerações morais básicas, que nenhum recurso podia ser evitado (Dresden, evidentemente, não foi a única cidade alemã reduzida a ruínas).

Na Alemanha, a direita mais à direita chama Dresden de Holocausto alemão.

É uma expressão pesada, até ofensiva aos judeus que defendem o caráter único, sem parâmetros, do genocídio industrial conduzido pelos nazistas. Em hebraico, Shoá.

As pilhas e mais pilhas de corpos deformados levados para a incineração depois do grande fogo que caiu do céu em fevereiro de 1945 evocam, quase insanamente, as vítimas dos campos de extermínio.

Talvez o que aconteceu em Dresden possa ser chamado apenas de holocausto, com minúscula. 

Mas aconteceu e não pode ser ignorado, mesmo que isso provoque constrangimento e questionamentos morais. Nem 75 anos depois.

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