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Disque R para matar: o método russo de assassinar desafetos

Os três casos que não conseguiram o objetivo, inclusive o de Alexei Navalny, indicam o mesmo modus operandi e um veneno idêntico, o novichok

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 7 out 2020, 08h07 - Publicado em 7 out 2020, 08h05

“Se minha mão treme, não é de medo, mas é por causa daquela coisa”.

Na grande tradição dos dissidentes russos, Alexei Navalny tem a coragem e a força interior dos que estão dispostos a sacrificar tudo.

E “aquela coisa” que o faz tremer, ter problemas de equilíbrio e sofrer com musculatura corporal devastada por 32 dias de internamento é um novo tipo de novichok.

O agente químico que age sobre o sistema nervoso é da mesma família que o usado nas tentativas de assassinar o ex-espião russo Sergey Skripal e um fabricante de armas na Bulgária, Emilian Gebrev, mas de uma nova geração.

A análise, feita com base em amostras de sangue e urina de Navalny, foi feita pela Organização para a Proibição de Armas Químicas.

É absolutamente impossível que qualquer elemento fora da hierarquia de poder na Rússia tivesse acesso a um agente químico desenvolvido em segredo durante a Guerra Fria, justamente para burlar os compromissos internacionais da então União Soviética de banir esse tipo de arma.

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“Eu sustento que Putin está por trás desse ato, não existe nenhuma outra explicação”, disse Navalny na primeira entrevista que deu depois de receber alta, na Alemanha, onde continua a fazer fisioterapia intensiva.

Navalny acha que foi envenenado no dia 20 de agosto ao tocar em algum lugar contaminado. 

Não mencionou a garrafa de água mineral que pessoas de sua equipe conseguiram tirar do quarto de hotel onde estava hospedado e mandar para análise num laboratório da Finlândia. Das três garrafas, uma deu positivo para o novichok.

Diz que, no avião onde tombou, aos gritos, não sentiu dor, apenas uma sensação de morte iminente que usou um personagem fictício, os Dementadores da série Harry Potter, para fazer uma comparação.

Os Dementadores sugam almas.

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No mundo real, quem faz isso é a unidade 29.155 do diretório geral de inteligência militar, conhecido pelas iniciais, o GRU – o nome mudou, mas continua a ser usado na prática.

A mais detalhada reconstituição de um assassinato do GRU foi feita pelo site investigativo Bellingcat, que usa – ou diz usar – apenas informações públicas para seu trabalho de formiguinha.

O caso envolve o búlgaro Emilian Gebrev, uma tentativa de assassinato ainda inexplicável em termos de motivação apesar da atividade profissional de risco da vítima.

O Bellingcat usou sua própria investigação de fortes abertas – em geral, pedidos de visto feitos com passaportes falsificados – e o trabalho da polícia búlgara.

Dos três atentados fracassados, o de Emilian Gebrev é o único que tem um filme de câmera de segurança com um “flagrante”.

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A cena mostra o momento em que um dos agentes do GRU, de luvas de couro e chapéu enfiado na cabeça, se aproxima do carro do alvo, no estacionamento no subsolo do prédio da empresa de Gebrev. 

Uma coluna tapa o momento final, quando asperge o novichok, possivelmente de forma líquida, na maçaneta do carro do empresário.

O homem foi identificado pelo Bellingcat como Denis Sergeev, agente do GRU com patente de general que entrou na Bulgária com a identidade falsa de Sergey Fedotov.

Espetacularmente, Denis Sergeev também estava na Inglaterra, possivelmente monitorando à distância os dois agentes que contaminaram a maçaneta da porta de Sergey Skripal em sua casa na pequena cidade de Salisbury.

O ex-espião e sua filha, que havia acabado de chegar da Rússia, sobreviveram. A única vítima fatal foi Dawn Sturgess, contaminada através de um vidro de perfume Nina Ricci, aparentemente intacto,  descartado numa lata de lixo e encontrado por seu companheiro.

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Dawn Sturgess passou o perfume nos pulsos e em vinte minutos estava inconsciente.

A investigação do caso na Bulgária, encerrada em 2018 por falta de acesso aos três acusados, mostra todas as etapas do atentado de 2015.

Os três agentes do GRU, identificados através de fotos dos pedidos de visto e passaportes falsos, foram o mencionado general Sergeev, com o codinome Sergey Fedotov; Egor Gordienko, ou Georgy Gorshkov, e Sergey Lyutenko, codinome Sergey Pavlov.

Como nos filmes de espionagem, os três agentes fizeram primeiro uma viagem preparatória. Desembarcaram em Sofia, a capital búlgara, em 15 de fevereiro, vindos de três voos diferentes.

Hospedaram-se em dois hotéis, pedindo quartos específicos, com vista para a entrada da garagem do prédio da empresa de armas, Emco Ltd.

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Dois deles alugaram carros, pagos com cartões de crédito em nome das identidades falsas. Pediram especificamente modelos mais baratos – sem GPS.

Voltaram para a Rússia no mesmo dia, 22 de fevereiro. Em abril, estavam de volta, fazendo percursos com mais escalas, uma forma de despistagem.

“Sergey Fedotov” alugou um apartamento bem na frente da empresa do alvo búlgaro.

Na noite de 28 de abril, Emilian Gebrev começou a passar mal durante um jantar de negócios no restaurante do mesmo hotel onde dois dos agentes russos haviam ficado na primeira viagem.

Naquele dia, havia chegado sozinho e parado o carro na garagem de seu prédio. No período de duas horas depois, seu motorista Oleg Lazarov e o gerente de produção Valentin Tahchiev também estacionaram seus carros.

O homem de chapéu e luvas aparece nas câmeras de segurança, com alguma coisa na mão, aparece às 13 e 58. Durante dois minutos, dá voltas em torno o carro de Tahchiev e depois o de Gebrev.

Depois, se aproxima do carro do motorista, fica alguns segundos do lado do passageiro.

Quando o portão da garagem abre para um carro entrar, o homem identificado como o general do GRU aproveita para sair.

Passou apenas quatro minutos no estacionamento.

Dez minutos depois, o motorista, em seu carro, leva Gebrev para o jantar de negócios do qual sairá já em coma.

O gerente Valentin Tahchiev só pega seu carro dois dias depois. No fim da tarde, é hospitalizado com sintomas de envenenamento, menos graves possivelmente devido ao período maior de tempo.

O filho do dono da empresa, Hristo Gebrev, também sofre sintomas semelhantes depois de inspecionar o carro do pai e o do gerente com um aparelho que mede substâncias prejudiciais.

Em maio, dois dos agentes envolvidos no atentado fracassado, voltam aparentemente para terminar o serviço. Dessa vez, um outro agente com treinamento em medicina entra para o grupo.

Problema: Emilian Gebrev, que havia ido com o filho para uma casa de praia esperando se recuperar, volta a passar mal e é hospitalizado.

Os russos desistem.

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Todos os três atentados fracassados parecem ser ligados a dificuldades de administrar o agente químico sem, obviamente, que os agentes possam usar as roupas protetoras necessárias para a manipulação da poderosíssima substância.

Nos casos na Bulgária e na Inglaterra, houve investigações policiais que permitiram uma boa reconstituição.

No caso de Navalny, o governo russo está usando todos os recursos da caixa de cinismo para negar qualquer causa não natural ao envenenamento do dissidente. 

Mas os métodos jornalísticos de investigação certamente já estão sendo usados. De formiguinha em formiguinha, alguma coisa acabará aparecendo.

Navalny só espera a recuperação, um processo lento para quem chegou ao estado gravíssimo dele, para retomar atividades.

“Não vou dar a Putin o presente de não voltar”, já disse.

E Putin, parará de mandar “presentinhos” para adversários?

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