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Por Vilma Gryzinski
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Chile: um presidente que pede perdão e demonstra grandeza

Piñera aumentou o salário mínimo dos pobres e o imposto de renda dos ricos, demonstrou humildade e contrição. Resultado? Continuam os protestos

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 24 out 2019, 12h04 - Publicado em 24 out 2019, 06h05

Do alto de seu 1,65 metro de altura, Sebastián Piñera está tentando conquistar uma estatura sem paralelos na história recente da América Latina.

Seu discurso de ontem, com o país ainda semiparalisado, 18 mortos em protestos – um número espantoso para o Chile contemporâneo – e mais encrencas prometidas, foi excepcional.

De Mauricio Macri, na Argentina, a Saad Hariri, no Líbano, passado por Lenín Moreno no Equador e até o governo pró-Pequim de Hong Kong, todos os líderes confrontados com protestos recentes recuaram rapidamente, anulando aumentos ou projetos de lei insuportáveis.

Mas só Piñera, um self made man que se tornou bilionário (2,8 bi)  por esforço próprio, fez uma autocrítica equilibrada e ao mesmo tempo sem desculpas ou falsas explicaçøees.

“É verdade que os problemas se acumulam há várias décadas e os governos não foram e não fomos capazes de reconhecer esta situação em toda sua magnitude. Reconheço e peço perdão por esta falta de visão.”

Dá para imaginar um político brasileiro – e não só brasileiro – falando isso?

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Piñera também fez exatamente o que os manuais econômicos (“Neoliberais”, descabelam-se os espíritos simples) não recomendam: transferir dinheiro para os salários mais baixos, em lugar de promover as condições para que aumentem.

Como as condições estavam demorando muito, apesar de notáveis progressos, ele instaurou um salário mínimo equivalente a 480 dólares, a ser complementado pelos cofres públicos, aquelas caixas sem fundo.

Para não mergulhar no populismo inconsequente puro e simples, ou, ao contrário, dando um mergulho ele, aumentou para 40% a alíquota de imposto de renda para quem ganha mais de 11 mil dólares por mês.

Tarifas de luz e preço de medicamentos serão reduzidos.

O melhor de tudo: reduzir altos salários de funcionários públicos, além dos ingressos e do próprio número de deputados, uma iniciativa que ele já vinham tentando tirar do papel. 

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Dá para imaginar a reação dos senhores congressistas.

Sem contar que o Partido Comunista e outros de esquerda estão pedindo um inquérito para abrir caminho ao impeachment de Piñera devido aos atos de repressão violenta.

Pelo menos quatro pessoas foram mortas por militares chamados para controlar as ruas e os saques. 

A maioria das vítimas morreu justamente em incêndios ateados durante os saques, como aconteceu no Walmart de Santiago.

A situação ficou tão perigosa que aconteceu uma cena surreal, captada em vídeo. 

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Um “milico” – ou “paco”, como dizem os chilenos – foi filmado organizando um saque. Disse que o dono da loja ia entrar para tirar alguns equipamentos e depois o populacho poderia saquear à vontade, mas com ordem: primeiro, os mais velhos; depois, as mulheres.

“Mas por favor, não me queimem essa coisa”, acrescentou. Foi muito aplaudido.

Evitou assim mais desastres letais, provocados pelos saqueadores contra si mesmos.

Emergência é emergência e vale tudo para salvar o povo de si mesmo. 

SEM MALUQUICES

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Mas as medidas mais amplas de Sebastián Piñera conseguirão acalmar a situação de revolta generalizada, horizontalizada no em Hong Kong, fora do controle dos líderes estudantis e sindicais que só depois pegaram carona, agravada pelas memórias que a presença do Exército implantando o toque de recolher provoca em uma população que nem teve experiência própria da ditadura que foi de 1973 a 1990?

Todas as explicações sobre as manifestações violentas e ainda descontroladas no Chile, obviamente, pecam pelo excesso simplificacionismo.

Raiva pela desigualdade de renda, mesmo num país onde a economia vai consistentemente bem e a pobreza diminui? 

Se fosse assim, nenhum país latino-americano chegaria ao fim de semana. 

As desigualdades sociais não podem ser simplesmente descartadas. Mas os estudantes que começaram o quebra-quebra, por causa do aumento do preço do metrô, não tinha exatamente os problemas macroecnômicos em mente.

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Uma ação planejada e atiçada por agentes provocadores a serviço dos partidos esquerdistas reunidos no Foro de São Paulo e movidos a interesses venezuelanos e cubanos?

Um dedo, ou mais, de planos coordenados em escala latino-americana certamente existe. Até a OEA, que não costuma estar na vanguarda das opiniões, emitiu um relatório nos seguintes termos:

“As atuais correntes de desestibilização dos sistemas políticos do continente têm sua origem na estratégia das ditaduras boliviariana e cubana, que buscam novamente se reposicionar, não através do processo de reinstitucionalização e redemocratização, mas sim através de sua velha metodologia de exportar polarização e más práticas, mas essencialmente financiar, apoiar e promover conflito político e social.”

A linguagem é enrolada, mas dá bem para entender o espírito da coisa. Detalhe: o documento é anterior à eclosão de violência no Chile. Refere-se mais ao Equador, onde a influência bolivariana é bem maior, inclusive via o ex-presidente Rafael Correa.

O próprio Correa, da tranquilidade de Bruxelas, onde vive refugiado por privilégio da cidadania da mulher, já declarou que “presta assessoria” a Nicolás Maduro.

Aliás, ninguém fala mais no Equador. Lenín Moreno recuou no aumento do preço dos combustíveis e a onda passou, pelo menos por enquanto.

Sebastián Piñera foi muito além em sua medidas, embora Lenín Moreno, um político humanista que procura falar a todos, guiado pela experiência de ser paraplégico, também tenha feito um mea culpa.

Quando foi para o primeiro mandato presidencial, em 2010, Piñera, que ficou bilionário com uma empresa de cartão de crédito, vendeu ou desinvestiu em seus grandes negócios, incluindo a TAM, hoje LATAM, e o maior canal de televisão do Chile.

Durante a recente crise de fogo de palha – os incêndios na Amazônia -, estava na França como convidado do G7 e defendeu a soberania do Brasil na sua parte da região. Em inglês fluente e com equilibrada firmeza diante de entrevistadores que praticamente exigiam respostas agressivas.

Ele e Michelle Bachelet têm se alternado na presidência, refletindo a alternância entre direita e esquerda, ambas sem maluquices, coincidentes quanto aos fundamentos básicos apesar das divergências ideológicas

Se isso mudar, o Chile só tem a perder.

E só tem a ganhar se Piñera realmente tiver agarrado a chance de se tornar estadista, uma raridade. 

O júri continua  em sessão.

 

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