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Chá da meia-noite: as formas brutais de Putin para calar oposição

Alexei Navalny, em coma na Alemanha, é a encarnação de como o regime russo faz o que quer contra seus inimigos, com a certeza da impunidade

Por Vilma Gryzinski 24 ago 2020, 12h51

Teriam os serviços secretos russos planejado o envenenamento de Alexei Navalny com a dose exata para não provocar a morte do mais conhecido dissidente do país, mas suficiente para mantê-lo longe e, por isso, enfraquecido?

O simples fato de que exista esta hipótese, por mais absurda que pareça, já mostra o conceito conquistado por Vladimir Putin: é um líder para o qual não existem limites.

O cinismo é tamanho que, quando alguma coisa dá errado e os assassinatos são expostos, os representantes de Putin rebatem dizendo que matar um ex-espião ou um oposicionista seria prejudicial para o próprio presidente e ele nunca, jamais faria uma besteira dessas.

Mas as “besteiras” acontecem. E, como não existe punição possível, elas se repetem.

No caso de Navalny, as “evidências clínicas sugerem intoxicação por uma substância pertencente ao grupo dos inibidores de colinesterase”, segundo as palavras bem pesadas do hospital alemão onde está internado.

Na manhã de quinta-feira, Navalny estava num aeroporto na Sibéria, vindo de campanha para as eleições regionais – ele promove ações para sabotar o partido Rússia Unida, já que, mesmo se não houvesse fraudes em massa, provavelmente ganharia.

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Como é conhecido por viver entrando e saindo da cadeia – inabalável de uma maneira que é difícil entender para os não russos –, foi fotografado no aeroporto tomando chá num copo de papel.

Dentro do avião, começou a se sentir mal. Pediu a sua assessora de imprensa, Kira Yarmish, um guardanapo de papel para enxugar o suor da testa.

Depois se levantou para ir ao banheiro, deu um grito e caiu desfalecido.

Saiu de ambulância num pouso de emergência em Omsk, onde os médicos que o atenderam foram ficando cada vez mais nervosos e menos comprometidos com o motivo do “mal súbito” que acometeu o homem de 44 anos, sem comprometimento de saúde exceto por perda parcial de visão num olho, quando um putinista de raiz jogou uma lata de tinta verde em seu rosto.

Ah, sim, durante uma de suas prisões ele teve uma grave “reação alérgica” e foi hospitalizado. Nada comparável ao estado de coma em que se encontrava e continuava depois que Putin autorizou sua remoção para tratamento na Alemanha.

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O mais famoso, ou infame, assassinato por chá envenenado foi o de Alexander Litvinenko, num hotel em Londres, em novembro de 2006.

O ex-agente da FSB – substituto da KGB – tinha concordado em se encontrar com dois antigos colegas, provavelmente atraído pela mais valiosa mercadoria do ramo: informação.

Foi um erro fatal. Os dois colegas tinham viajado expressamente para assassiná-lo com polônio 210 colocado em seu chá.

A substância radiativa deixou um rastro reconstituído criteriosamente depois da penosa e lenta morte de Litvinenko, semelhante às de sobreviventes do acidente na usina nuclear de Chernobil: perdeu os cabelos e ficou inchado com os corticoides administrados para tentar reverter o curso terrível da doença radiativa.

Os assassinos foram identificados como Dimitri Kovtun e Andrei Lugovoi. Este foi condecorado por Putin por “serviços à pátria” e eleito deputado.

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Igualmente deslavado foi o atentado contra Sergei Skripal, outro espião que mudou de lado, envenenado com Novichok, um agente biológico da pesada ao qual conseguiu sobreviver.

Também não aconteceu nada com os assassinos, flagrados em vários momentos da viagem a Salisbury, a cidadezinha onde morava Skripal – hoje, ele e a filha, também atingida, moram escondidos na Nova Zelândia.

Meses depois, morreu aos 62 anos o chefe do GRU, hoje a agência de operações extraterritoriais, Igor Korobov, levando a pecha de ter comandado um assassinato fracassado.

Muita gente suspeitou da morte de Korobov, mas a zona de sombras onde operam os chefes de espionagem não permite mais do que especulações.

A Rússia tem uma tradição nefasta no ramo que antecede a criação por Lênin do “laboratório dos venenos” onde inimigos do estado eram executados, servindo duplamente como cobaias humanas.

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O mais notório envenenado da história russa foi Rasputin, o guru que se dizia monge, apesar das bacanais nada piedosas, e assim mantinha a influência desastrosa sobre a imperatriz Alexandra, convencida de que o filho e herdeiro do trono, o hemofílico Alexei, só se mantinha vivo por causa do poder do curandeiro.

Com a opinião pública revoltada com as boatarias sobre a verdadeira natureza da relação da czarina com o falso monge, um grupo de aristocratas armou um plano para assassinar o guru.

Rasputin resistiu a um chá com bolinhos envenenados e três taças de vinho Madeira “batizadas” com cianeto de potássio, além de tiros e pancadas. Só morreu depois de ser enrolado em lona e jogado no congelado rio Neva.

Dizia-se, na época, que Rasputin tomava pequenas quantidades de veneno para adaptar seu corpo lentamente.

O assassinato não adiantou muito. O império dos czares ruiu e toda a família Romanov foi fuzilada em sigilo, no porão da casa onde haviam sido aprisionados, por ordem igualmente secreta de Lênin.

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O método de negar, negar e negar não mudou muito.

Alexei Navalny é a prova viva – por enquanto – de que o método funciona.

Apesar das sanções contra indivíduos da cúpula do governo russo e associados, e das expulsões de “diplomatas” conhecidos por fazer parte dos serviços de espionagem em represália pelo caso Skripal, a Europa Ocidental, inclusive a Alemanha precisam do gás que a Rússia manda para aquecer os ambientes no inverno e manter as indústrias funcionando.

Se Navalny for mais um caso, apesar de eventuais protestos diplomáticos e outros blá-blá-blás, será um prêmio para Vladimir Putin.

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