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Por Vilma Gryzinski
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Bruxaria política: Cristina como vice para mandar ainda mais

Na Argentina o impossível não só acontece como parece até normal e Cristina Kirchner convoca nome fraco para ser candidato a presidente na chapa dela

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 19 Maio 2019, 12h20 - Publicado em 19 Maio 2019, 12h19

Uma maquiavélica jogada política ou um típico capricho cristiniano?

Um salva-vidas lançado no borrascoso mar da política argentina para garantir eleição, impunidade, vingança e um poder maior ainda, como vice-presidente de um presidente que só deveria a ela o cargo, presidente do Senado e rainha incontestável do kirchnerismo?

Ou outro dos infindáveis capítulos em que peronistas de infinitas tendências se unem ou se estraçalham, muitas vezes literalmente?

Desde que chacoalhou terras e mares com o anúncio de que será candidata a vice-presidente numa chapa encabeçada – bem teoricamente – por Alberto Fernández, que foi um equivalente a José Dirceu de Néstor Kirchner como chefe da Casa Civil, com a vantagem de estar fora do sistema prisional, Cristina Kirchner voltou a seu lugar predileto: o centro absoluto de tudo e todas as coisas.

Não vamos aqui nem discutir a bizarrice da situação em que é a candidata a vice quem anuncia quem vai acompanhá-la como aspirante a presidente. Na Argentina de todos os delírios, isso passa até batido.

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A primeira reação da maioria dos argentinos foi um salto para o passado: “Fernández no governo, Cristina no poder”.

A frase evoca o slogan da chapa vencedora de 1973. Impedido judicialmente de ser candidato, ainda no exílio, Juan Perón escolheu o simpático dentista Héctor Cámpora, conhecido como Tio para encabeçar a eleição presidencial.

“Cámpora no governo, Perón no poder”: o slogan foi cumprido mais ainda do que ao pé da lei. O dentista bonachão se revelou mais radical do que outro tipo mal compreendido da época, o médico Salvador Allende.

Anistiou todos os terroristas que cumpriam pena por crimes de sangue; cercou-se de vários deles; propiciou o Massacre de Ezeiza, quando militantes peronistas de distintas facções mataram-se a tiros e facadas na convulsionada “festa” pelo retorno de Perón, e dois meses e meio depois renunciou.

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Claro que Perón foi eleito, tendo como vice a terceira mulher, Maria Estela Martínez de Perón, conhecida como Isabel ou Isabelita Martínez quando era do ramo do entretenimento noturno numa boate no Panamá, onde o pai de todos os populismos estava asilado.

Sob Perón e, depois de sua morte, Isabelita, a eminência parda foi José López de Rega, o Bruxo. Astrólogo, ocultista, vidente e ex-policial que criou com antigos colegas a extrema-direita armada do peronismo: a Aliança Anticomunista Argentina.

Como também havia a extrema-esquerda armada peronista, dedicada a provocar um golpe militar do qual imaginava sair vencedora, os assassinatos mútuos, atentados bárbaros, caos econômico e desmoronamento institucional generalizado, sob os olhos pasmados de Isabelita, o inevitável aconteceu.

No dia 24 de março de 1976, um helicóptero saiu da Casa Rosada com Isabelita e dois assessores, que deveriam ir para a residência presidencial, a Quinta de Olivos. No meio do trajeto, o piloto avisou que tinha um problema técnico, pousou numa base aérea e todos foram detidos.

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O comandante da Operação Bolsa foi o coronel Jorge Sosa Molina, responsável pela guarda presidência, os Granadeiros. Um ano antes, ele havia levado a tropa até Olivos e prendido López Rega e várias dezenas de paramilitares armados da AAA. O Bruxo fugiu para o exterior.

Durante vinte catastróficos meses, tinha sido na prática o presidente da Argentina. Os eleitores que haviam votado em Cámpora para ter o general de volta acabaram com López Rega, um dos principais responsáveis, entre outros, incluindo a esquerda armada, pelo golpe militar e a era das trevas que se seguiu.

Ele foi dado como maçom, agente da CIA e praticante de algum ramo do mais maluco esoterismo. Quando Perón morreu, pegou os polegares, os pés e os braços do cadáver e tentou ressuscitar o “Faraó”, como dizia.

Esse rápido desvio histórico foi feito por motivos óbvios: lembrar episódios da história recente da Argentina que parecem inventados por algum de seus geniais escritores. Não vamos fazer comparações com nenhuma série de televisão.

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Alberto Fernández , advogado e professor de direito, com um único cargo eletivo em Buenos Aires no partido do ex-ministro da Economia Domingo Cavallo, sempre foi um operador, um homem dos bastidores e “o” homem de Néstor Kirchner.

Com tudo o que isso implica, inclusive as milionárias malas e sacolas de dinheiro que circulavam em todas as residências do presidente e sua mulher, a senadora Cristina Kirchner, não está implicado em nenhum dos vários processos por corrupção contra ela e vários de seus assessores.

Rompeu com Cristina em 2008, fundou seu próprio partido (ah, os peronistas) e aderiu à frente de Sergio Massa, outro peronista dissidente do kirchnerismo.

A ideia declarada de Cristina é reproduzir uma frente unida contra o Cambiemos de Mauricio Macri, gravemente afetado por outra crise existencial argentina.

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A ideia não-declarada é se livrar dos vários processos por corrupção e resolver a questão da filha, Florencia, atualmente em Cuba para um tratamento médico coincidente com encrencas na justiça.

Florencia era a titular de um cofre num banco onde foram encontrados cinco milhões de dólares não contabilizados.

Existe uma palavra irreproduzível em espanhol, “gatopardismo”, para resumir o espírito tantas vezes evocados do livro, e depois filme, de Lampedusa, O Leopardo (em italiano, gattopardo), de mudar as coisas para que permaneçam as mesmas.

Giuseppe Tomasi di Lampedusa, o último príncipe com título tirado da ilha desolada pelágia no mar de águas marinhas líquidas da Sicília, possivelmente teria tirado conclusões aristocraticamente distanciadas, um pouco cínicas, um pouco realistas, do turbilhão eterno do argentinismo, um dos braços do novo mundo dos 25 séculos de civilizações que se sucederam no Mediterrâneo.

“Tivemos diferenças”, disse Cristina no vídeo em que fez o anúncio-bomba. “Eu também o vi junto com Néstor decidir, organizar, fazer acordos e buscar sempre a maior amplitude possível do governo.”

Reconhecendo que ela mesmo provoca muita polarização, apelou a todas as correntes peronistas para que se unam num projeto de salvação nacional para “governar uma Argentina outra vez em ruínas, com um povo outra vez empobrecido, em uma situação de endividamento e empobrecimento pior do que a de 2001” – o ano em que Néstor Kirchner apareceu praticamente do nada para salvar a pátria.

Sonhar com salvadores da pátria é a sina da Argentina. Podem começar a chorar por ela.

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