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Bonitinho, mas será que vai funcionar no ringue de Trump?

Com cabelo e maxilar dos Kennedy, Beto O'Rourke é o pré-candidato democrata que mais entusiasma a imprensa; falta sangue nos olhos

Por Vilma Gryzinski 21 mar 2019, 11h08

Um é homem e branco de mais, outra é negra de menos, dois são quase octogenários, mais uma ainda não superou o fato de que se gabava de ser indígena.

Por causa da moda da política identitária, dirigida a grupos específicos, sobram candidatos de oposição com bom potencial para disputar a presidência dos Estados Unidos. Mas ainda falta o nome unificador e incontestável que, no sonho dos democratas, exorcize Donald Trump até o fim dos tempos.

Beto O’Rourke, um texano de origem irlandesa com apelido latino, ocupa atualmente um bom pedaço desse espaço onírico.

Vantagens: tem 46 anos, numa disputa em que os mais cotados atualmente, Joe Biden e Bernie Sanders, estão perto dos 80. Tem ar juvenil, cabeleira cheia, maxilar quadrado e dentes enormes que evocam a mais tradicional dinastia política americana com origem na Irlanda, os mitológicos irmãos Kennedy.

Parece ter também algo do carisma desenvolvido por John e Bobby, milionários que estudaram em Harvard e desenvolveram a capacidade de falar ao coração de jovens, minorias raciais e camadas de renda média.

Como os irmãos Kennedy, fala ao coração dos eleitores e ao bolso dos doadores. Em 24 horas, a partir do momento em que lançou sua pré-candidatura, levantou 6,1 milhões de dólares, tanto em pequenas quanto grandes contribuições, um recorde.

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As pequenas doações são importantes porque mostram o comprometimento de eleitores comuns, mas as grandes é que contam nas espantosamente caras campanhas americanas.

A campanha de Beto – um caso raro de político americano chamado pelo primeiro nome – para o Senado pelo Texas foi a mais milionária de todos os tempos. Faltou muito pouco para bater em 79 milhões de dólares.

Para grandes contribuidores simpáticos ao Partido Democrata, era questão de honra derrotar o senador mais conservador do país, Ted Cruz, daí a enxurrada de dinheiro.

Mesmo com os bolsos generosos, o entusiasmo popular que despertou e a simpatia da maioria da imprensa – uma agência famosa chegou a esconder umas bobagens de juventude só para não comprometê-lo –, Beto O’Rourke perdeu. Por pouco, mas perdeu.

Ou seja, já entra em campo, nas primárias, com adversários acostumados a vitórias fáceis em estados onde democratas não perdem nem se matarem a mãe na Quinta Avenida.

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“MÃOS DOIDAS”

É essa a vantagem natural de nomes como o ex-vice-presidente Joe Biden; Bernie Sanders, senador por Vermont, onde declarar-se socialista é visto como vantagem; Kamala Harris, senadora pela república quase independente da Califórnia, e Elizabeth Warren, a ligeiramente falsa indígena de olhos azuis do estado de Massachusetts, onde Ted Kennedy, o irmão sobrevivente, continuou a ser eleito para o Senado mesmo depois de deixar morrer afogada, presa em seu carro caído num córrego raso, a jovem que o acompanhava na volta de uma festa.

Além de ter perdido uma eleição importante, Beto é homem e branco, heterossexual ainda por cima, fatos insistentemente ressaltados pelos fanáticos da política identitária.

Os exageros chegam a tal ponto que Kamala Harris, filha de mãe indiana e pai jamaicano, já foi “apontada” como insuficientemente negra. Sem contar que tem marido branco, judeu e rico, desvantagens nesse universo distorcido.

Bonita e desenvolta, Kamala tem uma vantagem jamais mencionada no mundo politicamente correto, parecida com a de Barack Obama: pela linguagem, o nível de instrução e a aparência – que conta, sim –, não é vista como pertencente a outra tribo pelo eleitorado branco.

E se os adversários desenterrarem seu início de carreira, turbinado pelo caso extraconjugal com o então prefeito de São Francisco, Willie Brown, a resposta foi dada por ele mesmo.

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“Sim, eu posso ter influenciado a carreira dela”, disse Brown, hoje com 84 anos, mencionando como a ajudou a chegar a procuradora-geral da Califórnia. “A diferença que Harris foi a única que, depois de receber minha ajuda, mandou avisar que me processaria se eu sequer atravessasse a rua fora da faixa de pedestre.”

A agressividade de Kamala Harris, cultivada como promotora e exibida agora no Senado, talvez seja o que mais falte a Beto O’Rourke.

Para enfrentar Donald Trump, tem que ter sangue nos olhos. Isso, evidentemente, com a conjunção condicional de sempre: se não acontecer a catástrofe constantemente prognosticada, mais ainda agora que está para sair o relatório sobre uma possível conspiração eleitoral com os russos.

Com seu radar implacável, Trump já apelidou Beto de “mãos doidas”. Desde então, o pré-candidato tem tentado controlar a linguagem gestual exagerada (mas se houver uma reprise das baixarias da campanha de 2016, quando mãos foram usadas como metáfora para o tamanho de outra parte do corpo masculino, registre-se que as de Beto são enormes).

DISSIMULADO

Os adversários republicanos ironizam muito o apelido de Beto, nascido Robert Francis, como uma tentativa de tirar vantagem da grande população de origem latina do Texas.

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Ao contrário dos Kennedys, formidavelmente seguros de si mesmos, ele também procura disfarçar que estudou literatura e vem de família rica. Bobby Kennedy, num antológico e improvisado discurso de campanha no meio da rua, pouco antes de ser assassinado, começou com as seguintes palavras: “Como dizia meu poeta favorito, Ésquilo…”

Dá para imaginar um político americano dizendo algo parecido hoje? Beto O’Rourke tem uma cachorra chamada Artemis e um filho chamado Ulysses, mas confessou que “foi por falta de coragem de pôr Odysseus”.

Se disfarça o apreço por mitologia grega, acentua o catastrofismo ambiental, uma causa cara ao eleitorado jovem e progressista.

Ao lançar a candidatura, praticamente disse que o mundo vai acabar em doze anos se não mudarmos tudo, agora. Por isso, apoia o New Deal Verde, a obra de ficção criada pela deputada Alexandria Ocasio-Cortez.

É claro que, para a turma de Alexandria, não passa de um traidor dissimulado. Além de ter recebido doações de empresas petrolíferas (Texas, lembrem-se), ainda se declarou capitalista, embora o predominante nos Estados Unidos seja desigual, injusto, cruel etc etc.

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Não existe chavão maior, quando se trata de pesquisas, do que a frase “se as eleições fossem hoje”.

Se aplicada ao mesmo período de 2015, Donald Trump teria 1% dos votos.

Mas como as pesquisas ainda são uma das balizas, “se as eleições fossem hoje”, Joe Biden ganharia a candidatura pelo Partido Democrata e venceria Trump por uma diferença de 10 pontos.

Biden, de 76 anos, e Sanders, 77, estão empatados nas primárias com 26%, segundo a pesquisa mais recente. Kamala Harris tem 12% e Beto O’Rourke, ainda pouco conhecido em âmbito nacional, 11%.

A primeira e histericamente antecipada primária será no estado de Iowa, em fevereiro próximo. Vai ser uma pauleira para Beto O’Rourke demonstrar que pode fazer campanha “sem vilipendiar ou falar mal” dos adversários, conquistar nas primárias um eleitorado que quer ver Trump incinerado e, numa eventual disputa direta, conciliar os dois impulsos.

E, ainda por cima, controlar as “mãos doidas”.

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