Afeganistão: caça aos pilotos e outros horrores do avanço do Talibã
Nenhum funcionário público, policial ou militar está seguro e a situação só vai piorar à medida em que os ultrafundamentalistas retomam o país
Ninguém esperava que as forças do governo afegão, treinadas e equipadas ao custo de muito bilhões de dólares, fossem resistir muito aos talibãs.
Mas a derrocada está sendo muito mais acelerada do que os piores prognósticos
Os americanos nem ainda completaram a retirada determinada pelo presidente Joe Biden e os ultrafundamentalistas expulsos do poder pela intervenção militar de 2001 já tomaram seis capitais provinciais em menos de uma semana.
Um dos efeitos colaterais do avanço arrasador dos talibãs é a deserção em massa de policiais e militares, apavorados, com razão, diante da perspectiva de serem tratados como colaboracionistas.
No topo dessa escala estão pilotos de aviões e helicópteros, caçados em todas as partes do país. Oito foram mortos nas últimas semanas. O último foi Hamidullah Azimi, que pilotava um Black Hawk, o helicóptero americano que é uma das maiores máquinas de guerra de todos os tempos.
Azimi, que tinha a bela estampa associada aos pilotos, morreu na explosão de uma bomba colocada em seu carro.
Falando sob sigilo ao Times de Londres, um piloto afegão disse que conhece os casos de dezenove colegas que desertaram nas últimas semanas.
“Se o governo puder garantir a segurança da minha família, vou continuar na base e lutar até o fim”, disse ele, sabendo muito bem que a premissa é frágil.
“Tenho que mudar de carro todos os dias. Empresto carros de amigos para ir trabalhar. Não posso sair de casa, fazer compras e nem sequer ir ao barbeiro, para proteger minha identidade e minimizar os riscos”.
As deserções de pilotos afetam a cobertura aérea das forças que ainda tentam resistir aos ultrafundamentalistas cheios de sede de vingança.
Jornalistas também estão a perigo. Trinta já foram mortos, feridos ou sequestrados este ano. A vítima mais recente foi o diretor de uma rádio do interior, Toofan Omar, ligado a um grupo que, mesmo nas condições atrozes do Afeganistão, tenta defender o jornalismo independente.
Outra categoria na lista negra são os intérpretes que trabalharam para os militares estrangeiros. Casos similares no Iraque renderam filmes e documentários.
Sohail Pardis, que serviu como intérprete para os americanos durante um ano e meio, foi decapitado num posto de controle perto de Cabul.
“Sohail era um otimista e achava que não seria abandonado”, disse ao Telegraph um intérprete que trabalhou para as forças especiais britânicas, Eddie Idress. “Já perdi dezessete amigos até agora, todos mortos pelo Talibã”.
A situação, inevitavelmente, só vai piorar à medida em que os talibãs consolidarem seu domínio em todo o país, com alguns bolsões de resistência que se dedicarão basicamente à própria sobrevivência.
Não existe alternativa a um replay do que aconteceu quando tomaram o poder pela primeira vez, em 1996, e implantaram um regime teocrático fiel à interpretação mais radical da sharia, as leis muçulmanas que incluem decapitação dos inimigos doutrinários, amputação de mãos e pés de ladrões e lapidação de adúlteros.
Para os Estados Unidos, será um vexame, principalmente quando figurões do governo que não conseguirem escapar a tempo forem executados com grande estardalhaço público.
Abandonar aliados não é exatamente uma novidade na história americana, tendo acontecido, notoriamente, com os húngaros da rebelião anticomunista de 1956, os sul-vietnamitas e os cubanos anticastristas.
A grande incógnita é se os talibãs voltarão a dar abrigo a terroristas islamistas com ambições de longo alcance, como fizeram quando cerraram fileiras em torno de Osama Bin Laden e seus seguidores, o motivo da intervenção de americanos e aliados depois do Onze de Setembro.
Os grandes atentados em território americano completam vinte anos no mês que vem e o ressurgimento do Talibã não permitirá que sejam relembrados como um triste, mas já encerrado capítulo da história recente.