Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Mundialista Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Vilma Gryzinski
Se está no mapa, é interessante. Notícias comentadas sobre países, povos e personagens que interessam a participantes curiosos da comunidade global. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

A imagem do desespero em Cabul: “Socorro, o Talibã vai me pegar!”

A situação fica cada vez pior no aeroporto que é a única esperança de salvação para milhares - e só os talibãs estou impedindo tragédia maior ainda

Por Vilma Gryzinski 19 ago 2021, 08h19

O grito de socorro de mulheres prensadas contra as grades do aeroporto de Cabul deveria ficar gravado na consciência dos responsáveis por seu desespero – todas as autoridades americanas que endossaram ou não resistiram às determinações de Joe Biden para promover a desastrosa retirada americana do Afeganistão, mesmo sabendo que o Talibã acabaria tomando o país inteiro.

Foi muito mais rápido do que todos os prognósticos, mas a responsabilidade continua do mesmo tamanho.

Ironicamente, só não tem mais gente, o que aumentaria o potencial de tragédias, porque são os talibãs que estão cercando o aeroporto e impedindo que outros desesperados cheguem para tentar embarcar nos aviões americanos de resgate. Em compensação, americanos e outros estrangeiros não estão conseguindo chegar para tomar os aviões enviados por seus países por causa da massa humana no caminho.

Por enquanto, o Talibã está seguindo uma política bem pensada: deixar que os americanos partam, com sua imagem mais destroçada a cada avião que decola, numa retirada apressada e humilhante. Afegãos que trabalharam para eles, ou para qualquer organização estrangeira, estão conseguindo embarcar quando têm sorte de passar por todas as barreiras.

Continua após a publicidade

Mas a realidade é que não existe chance de que todas as pessoas incluídas nessa categoria consigam fugir. Os talibãs têm todo o tempo do mundo para um futuro acerto de contas e já surgem os primeiros relatos de que estão indo de porta em porta, em busca de militares, policiais e colaboradores de organizações estrangeiras com um recado: ou se apresentam voluntariamente, ou suas famílias serão tratadas “segundo a charia”.

Pelos padrões do passado, estão até seguindo bem a orientação de se mostrar mais moderados, apesar de incidentes isolados como os tiros disparados contra uma pequena multidão que, numa inacreditável demonstração de coragem, saiu à rua em Jalalabad, hasteando a bandeira nacional que os fundamentalistas já haviam trocado pela sua, branca, com inscrições do Corão em preto.

Por padrões do passado entenda-se o seguinte: em 1996, quando os talibãs, então misteriosos e quase desconhecidos em Cabul, emergiram para tomar o poder no país destroçado pela guerra civil, uma de suas primeiras providências foi capturar Mohammad Najibullah, o presidente do regime comunista que havia dominado o país num de seus vários períodos delirantes.

Continua após a publicidade

Najibullah já não tinha poder e vivia sob proteção da ONU, na vã esperança de conseguir salvo-conduto para sair do país. Conhecido como Touro, pelo tamanho e imponência, tendo obviamente sua própria lista de atrocidades, ele foi castrado, amarrado na traseira de uma caminhonete Toyota e pendurado num poste.

Hoje, o Talibã 2.0 preparou uma cena quase tão inacreditável quanto a execução do Touro, no sentido oposto. O ex-presidente Hamid Karzai, que modestamente deu o próprio nome ao aeroporto onde hoje se desenrolam as trágicas cenas da retirada americana, foi convidado a negociar com um representante do Talibã, também líder de uma das mais violentas facções, a Rede Hakkani.

Karzai estava sorridente e elegante, com o mesmo tipo de roupa tradicional que levou o estilista Tom Ford a defini-lo em 2002 como “o homem mais chique do mundo”. Naquele tempo, Karzai era um dos mais importantes aliados dos Estados Unidos na guerra ao Talibã e seus comparsas da Al Qaeda.

Continua após a publicidade

O ex-presidente estava acompanhado por outra figura conhecida dos americanos, o ex-ministro redundantemente chamado Abdullah Abdullah, chefe da comissão de reconciliação criada pelo governo que desmoronou em um dia, com a entrada dos talibãs em Cabul.

O fato de que políticos como Karzai e Abdullah não tenham fugido, como fez o presidente Ashraf Gani, é uma prova cabal de que o Talibã estava negociando a mudança de regime de forma sistemática e profissional – e provavelmente com alguma dose de participação do Catar, o emirado onde se concentram os líderes que agora começam a voltar ao Afeganistão

Enquanto os líderes talibãs posam de magnânimos e profissionais, a elite burocrática americana tenta empurrar o abacaxi para longe de seu prato. “Fontes” da CIA estão plantando que avisaram o governo da iminência da vitória dos fundamentalistas e até os mais fiéis democratas estão encontrando dificuldade em achar algo de bom para dizer sobre Joe Biden.

Continua após a publicidade

“Nem eu nem ninguém vimos nada que indicasse o colapso do exército e do governo em onze dias”, esquivou-se o chefe do estado-maior, general Mark Milley – um dos vários comandantes americanos que estão parecendo, melancolicamente, uma versão piorada dos três patetas.

“A vitória tem mil pais, mas a derrota é orfã”, disse John Kennedy quando assumiu a responsabilidade por um abacaxi que tinha sido gestado no governo anterior, de Dwight Eisenhower, a fracassada invasão da Baía dos Porcos, em 1961.

Largados à própria sorte, os cubanos anticastristas treinados pela CIA foram mortos ou capturados (mas o governo americano negociou um “resgate”: 53 milhões de dólares em alimentos e remédios, doados por empresas, em troca da libertação de 1.103 prisioneiros mandados de volta para os Estados Unidos; o regime cubano só não soltou nove dos líderes da operação).

Continua após a publicidade

Por mais terrível que seja a situação em Cabul, sempre há espaço para piorar. Ian Bremmer, do Eurasia Group, fez especulações assustadoras sobre as possibilidades mais negativas.

“Ainda há muitos americanos que queremos tirar de lá. E se houver uma crise de reféns? E se houver troca de tiros? E se americanos forem mortos? Isso destruiria a presidência de Biden”.

E sobre afegãos e afegãs, como as mulheres desesperadas no aeroporto de Cabul?

“Se a única coisa que acontecer for a debacle que estamos assistindo, envolvendo afegãos, não sei se haverá efeitos duradouros para Biden”.

Tradução: se não ficar pior do que já está, os afegãos que se virem.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.