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‘A filha do diabo’: herança amarra a guerreira Marine Le Pen

Vítima de terrorismo na infância e vencedora das exigências absurdas do pai, candidata não consegue superar o sobrenome que a construiu e a segura

Por Vilma Gryzinski 5 Maio 2017, 18h46

Cada vez que qualquer leitor do mundo deparar com os adjetivos “xenófoba, homofóbica e antissemita” relacionados a Marine Le Pen, estará diante de mentiras. O mantra é tão repetido por informadores de má fé ou má formação que brota automaticamente, como se fosse um fato da vida.

As infinitas iterações não o tornam mais verdadeiro, mas alimentam a rejeição profunda que ergue uma barreira aparentemente intransponível para a candidata francesa, que caiu para 38,2% dos votos na eleição de domingo.

As mentiras não significam, claro, que Marine Le Pen não tenha outros e grandes defeitos. Nem que, no caso dela, não decorram de motivos muito palpáveis, resumidos pelas palavras Jean-Marie Le Pen, o pai-herói-vilão, aos olhos da filha, de quem herdou a explosiva carga política que a levou até o segundo turno e ao mesmo tempo a mantém presa a uma espécie de legado maldito.

Toda menina quer agradar o pai. As que tiram as melhores notas, são adoráveis, encantam os adultos e crescem para se tornar mulheres bem sucedidas, continuam fazendo isso por toda a vida, não sem um certo sofrimento inerente ao perfeccionismo.

Depois de fazer tudo isso, Marine Le Pen teve que matar o pai, no sentido simbólico e na ruptura política que levou ambos a uma dolorosa batalha pública. Le Pen, o criador, lutou na justiça para manter o cargo no partido, Frente Nacional, saído inteiramente de sua personalidade e de suas ideias em muitos aspectos intransponivelmente condenáveis. E, sim, ultradireitistas, xenofóbicas e antissemitas.

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Le Pen, a criatura, enfrentou-o com uma dureza espantosa, sem nenhum sinal público de sofrimento pelas agressões cometidas pelo pai nem da sensibilidade natural a uma filha obrigada a cortá-lo de sua vida.

TERRORISMO EM CASA

Chamada de “a filha do diabo” num perfil de 2011 da revista Le Point, Marine Le Pen teve que expurgar da Frente Nacional todas as correntes malditas reunidas pelo pai e assim resumidas pelo autor, o psicanalista (e genro de Lacan) Jacques-Alain Miller: fascistas, colaboracionistas, católicos ultraconservadores, neopagãos, monarquistas, negacionistas e saudosistas da OAS.

Esta última não a construtora brasileira mas o grupo extremista que lutou contra a independência da Argélia, formado por militares inconformados, franceses radicados na colônia do Norte da África e – espantem-se, incautos – argelinos de raiz.

Jean-Marie Le Pen foi da Legião Estrangeira e combateu no Vietnã, chamado de Indochina durante o período colonial francês. Era paraquedista, (pará, dizem os franceses) geralmente um pessoal muito aguerrido, mas atuava como jornalista militar – ficou amigo, na época, do futuro ator Alain Delon. Voltou a servir só para combater na já perdida guerra da independência da Argélia. Não é difícil ver a conexão entre a OAS e o lepenismo.

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Foi a OAS, que significa Organização Exército Secreto, que planejou o atentado frustrado contra Charles de Gaulle, mais ou menos como mostrado em O Dia do Chacal. Um dos motivos da inimizade intransponível entre a Frente Nacional e a direita gaullista, hoje representada pelo partido Os Republicanos.

A ideologia radical da Frente Nacional tal como criada por Le Pen pai sempre foi contida a uma camada na faixa dos 15% do eleitorado. O ódio que provocou pode ser medido pelo atentado terrorista contra Le Pen e sua família de primeiro de novembro de 1976.

Marine Le Pen tinha oito anos e estava dormindo no quarto com as duas irmãs, Marie Caroline e Yann. Os vinte quilos de explosivos demoliram toda a fachada da casa, mas ela não se lembra do barulho, só do frio que entrou no quarto. Sofreu pequenos cortes provocados por estilhaços de vidro. A família toda escapou incólume, espantosamente.

Como não ficar marcada por uma brutalidade assim?

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BALADA NA CASBAH

É difícil não imaginar que Le Pen queria um filho para transmitir sua herança, mas teve que escolher entre suas três filhas, todas loiríssimas como que saídas da Gália de Asterix e criadas numa família que parecia uma seita política, mais ainda depois do atentado.

A escolhida foi a caçula, Marion Anne Perrine, Marine para todos. De dia, só política. De noite, Le Pen e a mulher, Pierette, saíam sem a menor preocupação pequeno-burguesa com as filhas, cuidadas pela babá. Atenção paterna no sentido tradicional, zero.

Quando o casal rompeu, Le Pen conseguiu a guarda das meninas. Pierette se vingou posando para a Playboy francesa vestida de camareira sexy.

Sem mãe, a “filha do diabo” que cresceu sentindo a hostilidade provocada pelo sobrenome paterno, teve sua fase de balada. Em Paris, frequentava a Casbah, boate que sobrevive até hoje na pequena Rue de la Forge Royale, guardada por uma sucessão de gigantes negros e gentis.

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Numa das aulas da faculdade de Direito, um professor fez a classe analisar o processo contra Jean-Marie Le Pen por ter dito que o extermínio de judeus nas câmaras de gás era “um detalhe” histórico que ele não havia estudado suficientemente. Uma forma indireta e execrável de declarar-se adepto do negacionismo, a corrente extremamente antissemita que nega o genocídio dos judeus durante o nazismo.

É esta uma das heranças mais horríveis de Marine Le Pen. A candidata, obviamente, jamais fez nenhuma declaração antissemita. A maior ameaça contra os judeus franceses vem da parte radical da população muçulmana.

As agressões físicas e a ocupação dos bairros tradicionais por moradores hostis se multiplica de maneira abominável no antissemitismo escandaloso exposto nas redes sociais.

PÉS PRETOS

O marido de Marine, que tem três filhos do primeiro casamento, é Louis Aliot. Ele é o vice-líder da Frente Nacional, da qual se aproximou ainda na época em que Le Pen pai era o chefão. Aliot e de uma família de pieds noir, os “pés pretos”, formada por franceses católicos e judeus vindos da Argélia.

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As ideias mais extremistas à moda da antiga Frente Nacional, mas com um ar modernizado, são hoje defendidas por Marion Maréchal-Le Pen, a neta linda e loira que o velho patriarca criou para colocar no lugar da filha. Idêntica, até no nome, à tia na juventude.

Irônica, agressiva, acostumada a discutir infinitamente com sua voz rouca de fumante, Marine Le Pen partiu como um tanque para cima de Emmanuel Macron no debate de quarta-feira. A maioria dos franceses preferiu o estilo dele, nervosinho, de mão no queixo, testa franzida.

Marine tem 48 anos e a próxima eleição presidencial na França, em 2022, provavelmente vai ter o sobrenome Le Pen na disputa. Dificilmente o pai, que está com 89 anos, verá isso. E o psicodrama público da família dificilmente estará terminado.

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