Uma boa surpresa na nova safra de autores nacionais: O Dia em que Eu Deveria Ter Morrido (Terceiro Nome, 144 páginas, 26 reais), segundo romance do jornalista Javier Arancibia Contreras, 34, é exibição de domínio narrativo. Contreras, que chegou à final do Prêmio São Paulo de Literatura 2009 com seu romance de estreia, Imóbile (7Letras, 2008), conta aqui a insana – ou seria lúcida? – aventura de um dono de jornal que um dia, sem mais nem menos, resolve embarcar para Istambul, na Turquia, onde sobrevive a um atentado terrorista que o leva a criar a heroica história de uma reportagem investigativa capaz de vender exemplares em banca e a repensar a vida que vinha, por assim dizer, cometendo.
O trabalho parece minucioso, como se Contreras escolhesse uma a uma as palavras, as combinasse entre si, checasse o efeito e então prosseguisse, atraindo o leitor para uma viagem que, do meio para o fim do livro, ganha tons de delírio. É aí que a história se enriquece, desconstruindo as linhas da primeira parte – o livro é dividido em duas etapas: “Um factoide particular’ e “Jornada ao avesso dos fatos” – e irrompendo em possibilidades. Muito do que aconteceu é posto em dúvida, e essa dúvida, se por um lado confunde, por outro convida o leitor a coescrever a história.
Além do cuidado com as palavras, que pode ser conferido no vídeo abaixo, um trailer da obra, o texto tem força pelo tempo verbal escolhido. Toda a história é narrada no presente do indicativo, algo não muito usual na literatura, mas que garante impacto e prende a atenção do leitor. É como se acompanhássemos a história em tempo real, à medida que ela acontece, mas com a vantagem de saber que algo está para estourar – do contrário, por que essa história estaria num livro? “Ele faz uma pausa no discurso enquanto traga a fumaça do cigarro. Eu apenas o observo, sem nada para falar”, escreve Contreras numa passagem.
O ponto fraco, mas não a ponto de debilitar o livro, é a descrição do meio jornalístico. Não traz grande novidade e soa óbvio – não porque Contreras seja clichê e sim porque o jornalismo é personagem recorrente de livros, filmes e programas de TV, e pouco se pode dizer de original a respeito. O tema, por si mesmo, é gasto. Não chega a ser uma falha nem incomoda a ponto de se ter vontade de largar o livro. Até porque o autor sabe escapar dos caminhos fáceis e propor viradas com habilidade, alimentando o interesse pela leitura até o fim.
httpv://www.youtube.com/watch?v=Elzq9JNXMvI