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Tensões familiares, tensões lexicais

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Por Antônio Xerxenesky
Atualizado em 13 ago 2018, 21h55 - Publicado em 2 out 2011, 09h34

O início de Ana Karenina, onipresente nas listas de melhores começos da história da literatura, postula: “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira”. O que dizer, então, de uma família que, por trás de uma felicidade aparente, esconde filhas deprimidas, como é o caso do clã dos Anjos, núcleo de A Vendedora de Fósforos (Rocco, 192 páginas, 29,50 reais), novo romance da catarinense Adriana Lunardi?

São os dramas familiares, em especial, as tensões fraternas que ligam os principais temas do livro: a morte e a literatura. Pode-se dizer que os dois assuntos são recorrentes na obra de Adriana. No livro de contos Vésperas (2002), a autora recriou os últimos momentos de vida de nove ficcionistas consagradas, como Clarice Lispector e Virginia Woolf. A morte também está presente desde a cena inicial de Corpo Estranho (2006), romance anterior da autora.

A Vendedora de Fósforos não é diferente. O enredo do romance apresenta uma escritora — cujo nome nunca é dito, mas que tem características biográficas similares às de Adriana — que viaja para visitar a  irmã, internada após sua última tentativa de suicídio. A partir do telefonema que recebeu com a notícia do suicídio frustrado, a narradora passa a rememorar a vida ao lado dos irmãos e dos pais. A história da família é contada de forma fragmentária, obrigando o leitor a juntar as peças, na tentativa de formar uma imagem maior.

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Além da fragmentação, a prosa se vale bastante do silêncio e das elipses. Trata-se de um livro que exige atenção e participação do leitor, que se vê obrigado a preencher lacunas para dar sentido a uma trama mergulhada em ambiguidade.

Outro ponto que chama a atenção é a peculiar construção de personagens da obra. Cada um é definido a partir da sua relação com as palavras. O romance parece afirmar constantemente que os seres humanos são constituídos de linguagem, uma vez que cada problema pessoal vivido pelos personagens transborda para o universo lexical. É o caso do irmão da narradora. Incapaz de começar uma frase com o pronome pessoal “eu”, ele depois fica impossibilitado de articular sentenças no plural.

Também é o caso da irmã da narradora, que primeiro manifesta sua doença mental escrevendo nas paredes da lavanderia da casa. Ela registra uma série arbitrária de palavras — “long-play, jornal, candelabro” — com tinta marrom. Por mais incompreensível que soe a sequência, a narradora nunca será capaz de esquecer nenhuma das palavras, de tão perturbadora é a imagem que formam.

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Como a peculiaridade da composição de personagens, a escolha de uma maneira fragmentada de contar a história não é mera opção estilística. Além de uma representação do funcionamento da memória, a estrutura serve de metáfora para o crescimento truncado da narradora, constantemente forçada a mudar de cidade. É a partir de experiências díspares, singulares, que por vezes parecem isoladas, sem relação com um contexto mais amplo, que a narradora vivencia as mudanças da infância para a adolescência, e da adolescência para a vida adulta.

A literatura está presente em todos os contextos: do nome da amiga de infância da narradora ao próprio título do romance, uma referência ao clássico e brutal conto de fadas de Hans Christian Andersen, A Pequena Vendedora de Fósforos, que é recontado — e alterado — ao final da narrativa de Lunardi. Assim, a literatura, no universo construído pela escritora, ganha poderes quase sobrenaturais. É através dela e da arte que a salvação (ou ao menos a transcendência) pode ser encontrada. Uma visão talvez ingênua, mas refrescante em um cenário literário dominado pelo ceticismo.

 

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