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Pilar del Río, a musa de Saramago

Viúva do escritor abre em Paraty uma nova casa em homenagem ao ex-marido e garante: ‘Levar o legado de Saramago é horrível, mas necessário’

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 ago 2017, 12h57 - Publicado em 30 jul 2017, 07h59
Pilar del RÃo na Casa Cais. Foto: Barbara Lopes | Agencia O Globo (Barbara Lopes/Agência O Globo)

Foi em 1986 que a espanhola Pilar del Río arrebatou o coração de José Saramago. O relacionamento com o Nobel da literatura durou não só até a morte dele, em 2010, mas permanece até hoje, como uma espécie de fantasma camarada. Pilar, que é 28 anos mais jovem que o ex-marido, ficou responsável por manter o legado de um dos maiores escritores da história. Tarefa que o próprio lhe deixou.

Ela preside a Fundação Saramago, com sede em Lisboa e ações educativas e culturais espalhadas pelo mundo. Entre elas, uma casa dedicada ao escritor e seu amigo brasileiro Jorge Amado, inaugurada em Paraty durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que acontece nesta semana. Na cidade fluminense, ela também participou de uma mesa sobre feminismo, na tarde de sexta-feira, e acompanhou o lançamento de Com o Mar por Meio (Companhia das Letras, 120 páginas, 59,00 reais o impresso e 39,90 o e-book), livro que reúne uma seleção de cartas trocadas entre os dois autores.

A jornalista e tradutora falou a VEJA sobre feminismo, vaidades, adaptações de obras de Saramago e a sombra de um grande amor.

 

Ao ajudar na organização do livro Com o Mar por Meio, o que relembrou da amizade de Jorge Amado e José Saramago? Tenho uma memória muito boa. Lembro-me de cada carta recebida, dos encontros com Jorge. Eram momentos especiais. A amizade entre eles começou de forma natural. Saramago tinha muita vontade de conhecer Jorge, mas havia certa timidez em ir até ele e se apresentar. Esse tipo de conduta parecia pequena perto de tudo que ele tinha para dizer e trocar com Jorge. Quando se conheceram pessoalmente, na Itália, foi como um reencontro de amigos antigos. Que se falavam todos os dias. Saramago considerava Jorge Amado como um patriarca, e Jorge sempre tratou Saramago como um colega.

Em uma das cartas, Amado diz sobre o Brasil: “Aqui o sufoco é grande, problemas imensos, atraso político inacreditável, a vida do povo dá pena, um horror”. Provavelmente, eles poderiam aplicar essa carta aos dias de hoje. Sim. Houve um momento de entusiasmo, meu marido mantinha uma esperança forte, mas lamentavelmente estamos de novo em uma situação de desespero. Falta esperança. Algo que eles sempre falavam era que no futuro havia esperança. Mas, agora, o que sentimos é medo do futuro. Com certeza, é uma correspondência com pensamentos válidos para os dias atuais.

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Como Saramago veria o mundo hoje? Nunca digo como ele veria, não posso falar por alguém que não está aqui. Posso falar o que ele sempre falava. No Ensaio sobre a Lucidez, ele diz que todos nós, juntos, precisamos nos posicionar e tomar conta da sociedade. Cobrar por mais igualdade e justiça. É a única saída.

Pela primeira vez, a Flip contou com mais mulheres que homens entre os convidados. A senhora, como feminista, como vê a evolução do movimento? Na sociedade, temos mais mulheres que homens. No mundo da leitura, as mulheres leem mais. Então, finalmente se atende à realidade. Não é um mérito da Flip, é respeito à realidade. Assim como as igrejas que recentemente perceberam que não podem ignorar as mulheres, que elas são a base de muitas religiões. Sobre o feminismo, gritar muito e de muitos lugares cria ruído, mas acho que um dia encontraremos a melodia. Foram milênios sem poder falar. Se existem diversas mulheres falando, movimentos variados, e alguns radicais, amém. Que assim seja. Um dia vamos encontrar nossa música. A música agora não é sinfônica, é cacofônica. Mas estamos andando, não estamos paradas.

Saramago se reinventou depois dos 50 anos. Tornou-se um grande escritor na idade madura. A senhora se sente em um processo de reinvenção? Não (risos). Me dá uma tristeza saber que tenho 67 anos! Pois gostamos de ser novas, bonitas, eternamente sedutoras, e infelizmente não é assim. E este não é um problema só para mulheres, meu marido também dizia: “a velhice é uma merda”. Não há remédio, o contrário é morrer. Vi uma fotografia outro dia, e pensei: Essa era eu? Como? A diferença é muito grande. Olho no espelho e pergunto: “Minha filha, cadê a sua cintura? E esse olho enrugado?” (risos).

Fez ou pensou em fazer plástica? Não. Uma amiga tentou me dissuadir, disse que poderíamos puxar um pouco aqui, outro pouco ali, e deixaríamos de parecer como quem tem quase 70 anos. Mas talvez como alguém com quase 60.

Feminismo e vaidade não são coisas contrárias? Claro que não! A feminista não precisa ter bigode e ser feia. Podemos ser elegantes. Falamos de namorados, de batons, de botox. Falamos de tudo. Somos feministas, só não queremos que os homens controlem nosso lugar no mundo e nossa norma estética. Afinal, quem repara em um sapato novo é outra mulher, nunca o homem.

Está solteira? Eu gostaria de ter um namorado, mas não tenho. Não tive nenhum relacionamento depois de José – também não tive nenhuma proposta. As mulheres ficam bem sozinhas, ao contrário dos homens. Eles, quando amam muito a esposa que faleceu, se casam de novo seis meses depois. Se não gostam muito, uns três.

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Como é carregar o legado de um dos maiores escritores da história? Horrível! Mas necessário. Vivificar a história do Saramago é um trabalho educativo e de memória. Nossa colaboração para uma sociedade melhor.

Ele te incumbiu da tarefa? Estava em São Paulo recentemente, vendo alguns vídeos na produtora do Fernando Meirelles para uma exposição que faremos em Porto Alegre sobre Saramago, no Santander Cultural. Em determinado momento, José fala que o meu trabalho seria continuá-lo. “Eu não queria estar na pele da Pilar quando eu morrer”, ele diz por fim. Eu olhei aquilo e não consegui me conter, e falei: “Safado!” (risos). Ele sabia que não seria fácil.

Tem alguma nova adaptação da obra do Saramago prevista para ser lançada no cinema? Não posso falar detalhes por enquanto, mas vamos ter uma grande série de televisão. Uma coprodução entre vários países, entre eles os Estados Unidos. Será muito interessante e grande. Com boa direção e bons atores. Mas é só o que posso falar.

Das adaptações que existem, qual sua favorita? Gosto do Ensaio sobre a Cegueira, do Fernando Meirelles, e também de O Homem Duplicado, com Jake Gyllenhaal, do diretor Denis Villeneuve. Adorei o filme. É bem melhor que o livro (risos).

Aliás, existem muitas teorias sobre o que é aquela misteriosa aranha que aparece no filme… (Rindo, ela aponta para si mesma) Não sou só eu, mas todas as mulheres. Essas aranhas perigosas! Este é um livro do Saramago de que não gosto muito. É um drama de homens. Essa natureza de se sentir fechado, de que precisa de um segundo ser para se expressar, para admitir erros. É um universo terrivelmente macho, não machista, mas macho. Como se eles tivessem tantas coisas para resolver e nenhum tempo para pensar em problemas sexuais, em sentimentos. É coisa de homem. Eles carregam uma quantidade de inseguranças que é terrível. Coitados…

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