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Livro ‘Diário da Cadeia’ é (muito) mais inocente que o Cunha real

Sátira política feita por Ricardo Lísias com pseudônimo do ex-deputado faz dele um tolo até simpático

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 abr 2017, 12h01 - Publicado em 25 abr 2017, 11h58

Quando o editor Carlos Andreazza disse que o peemedebista Eduardo Cunha deveria ler o livro do autor que tomou seu nome emprestado como pseudônimo antes de ir à Justiça para barrá-lo, tinha toda a razão. Diário da Cadeia (Record), romance que fantasia o que seriam os apontamentos de Cunha na prisão e que, agora se sabe, foi escrito pelo paulista Ricardo Lísias, é mais inocente que o verdadeiro Cunha. Aliás, muito mais inocente – e a palavra aqui pode ser entendida também no sentido de ingênuo. O Eduardo Cunha ficcional que salta da leitura do livro é um homem descolado da realidade que provoca não apenas sorrisos no leitor, mas até uma certa simpatia. Tudo com que o verdadeiro Cunha poderia sonhar hoje.

Diário da Cadeia pode ser definido como uma sátira política. Mas seu humor, de tão leve, é quase pueril. Quem já leu o Diário da Dilma, publicado pelo jornalista Renato Terra na revista Piauí entre 2011 e 2016 e editado em livro pela Companhia das Letras há três anos, pode ter uma ideia aproximada. As piadas têm o mesmo tom. Os personagens são caricatos, um tanto amalucados e cheios de idiossincrasias. Enquanto a Dilma de mentirinha adorava tomar nota dos bofes bonitões, como Chico Buarque e seus olhos de ardósia, parecia sempre alegre e aluada, ironizava os desafetos políticos e se sentia injustiçada diante do movimento pelo impeachment, o falso Cunha tenta a todo tempo justificar as propinas que recebia, fala de maneira recorrente do perigo de o Brasil se tornar a Venezuela (um mantra de parte da direita), se acha perseguido pela Globo, comete um erro de português atrás do outro em um livro “sem revisão” e é obcecado pela trajetória de PC Farias, ex-homem forte de Collor que menciona muito, ao lado da religião.

“Os jornais pararam de falar do meu caso (…). A estratégia de não falar de mim serve para tentar me afastar da opinião pública e do carinho que o povo brasileiro sente por mim, sobretudo por eu ter cortado o petismo pela raiz”, anota o Cunha fake logo no início de seu diário. Ele é, como se vê, tão desligado do mundo quanto a falsa Dilma, que em determinado momento do escreveu seu próprio diário, “Andei num carro sem motorista do Google. Não sei se entendi bem, mas fiquei com a impressão de terem me explicado que, assim como o Brasil, o veículo funciona melhor sem alguém no comando”. Fazer do personagem um bobo que produz piadas de maneira involuntária é um recurso humorístico muito usado em filmes, sitcoms e peças de teatro. E nos diários de Dilma e Cunha.

Burlesco como a Dilma fake, aliás refeita em traços escrachados pelo cartunista Caco Galhardo, o falso Cunha amplifica características atribuídas a ele, como a lábia e a hipocrisia. Assim, ele defende a propina recebida das empresas privadas como uma hora extra que desonera o Estado – afinal, políticos trabalhariam além de seus expedientes e das salas escuras do Congresso Nacional, e reconhecer isso seria um avanço trabalhista. Também não se posiciona como homofóbico, apenas como alguém “a favor da natureza”. “São políticos que apoiam homossexuais, por exemplo. Apoiar uma causa que só serve para causar escândalo (eu não tenho nada contra, mas precisamos enaltecer as pessoas como Deus as fez) acaba tornando a pessoa conhecida”, escreve, em certa passagem, sobre colegas de esquerda.

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E, religioso que é, jura só beber por devoção ao divino. “Pedimos uma refeição e ele bebeu o segundo uísque. Eu não bebo, mas vinho é uma dádiva do Senhor”, diz sobre um encontro com o amigo Paulo César Farias em Londres, tempos antes do seu assassinato, cuja trama ele garante revelar em Diário da Cadeia.

É essa trama que, mais do que as piadinhas repetidas sobre Cunha, ajuda o leitor a atravessar as 191 páginas do romance. Destacada com outra fonte, a história de PC seria parte do livro que Cunha escreve sobre o impeachment de Dilma – o ex-deputado realmente anunciou que escreveria sobre a deposição da petista, informação que Ricardo Lísias, um escritor experimentado na alquimia entre realidade e ficção, aproveitou.

Quase como um enredo policial, depois de algumas anotações de um paranoico Cunha sobre a busca por uma câmera em sua cela ou sobre uma visita que recebeu dos advogados ou da família, com quem invariavelmente acaba rezando, o leitor acompanha a fuga de PC Farias por Londres e sua volta ao Brasil, onde termina morto ao lado de uma amante, Suzana Marcolino, além de denúncias de propinas e ingerência privada no Estado feitas já nos anos 1990, mas nunca apuradas da forma devida. A trama envolve duas organizações secretas da África, onde Cunha teria se convertido, deixando para trás uma vida de pecados – como se o que ele fez depois, como político, fosse algo completamente impoluto, uma (boa) piada do livro.

Tem algo de engenhoso nesse vai e vem do romance, que afinal faz com que o livro contenha outro dentro de si. Mas, de maneira geral, Diário da Cadeia pode ser difícil de atravessar. Se o Diário da Dilma divertia, com uma página por mês, o diário do Cunha pode se tornar cansativo pela reiteração dos traços canhestros, dos erros de português, das manias do personagem, que está mais para um tipo do que para uma persona redonda de romance. Cunha, se tivesse lido o livro, saberia que o melhor era mesmo deixar passar. E quem sabe rir da inocência que lhe atribui.

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