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Leïla Slimani: ‘É preciso colocar mãe e pai em pé de igualdade’

Em entrevista a VEJA, a escritora franco-marroquina fala sobre seu livro 'Canção de Ninar', maternidade, machismo e imigração

Por Luísa Costa Atualizado em 30 jul 2018, 15h30 - Publicado em 29 jul 2018, 19h05

A escritora franco-marroquina Leïla Slimani, 36 anos, se sentia em casa quando nos recebeu no espaço ocupado por sua editora no Brasil, durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que encerrou hoje suas atividades. “Eu adoro esse lugar”, afirma, enquanto se acomoda na cadeira do jardim. “As pessoas aqui são adoráveis, é tão bom encontrar outros escritores na rua…”

O ar “à l’aise”, à vontade, reforça a tranquilidade de quem não se sente constrangida ao tratar de nenhum assunto. Foi assim que participou da mesa “Interdito” na sexta, com a tarefa de debater o tabu na literatura com o escritor francês André Aciman. Não há tema que a constranja ou torne tímido seu falar assertivo.

Sua primeira obra publicada no Brasil, Canção de Ninar (Tusquets), transforma em tragédia o lar doméstico ao desnudar a relação entre uma mãe e sua babá mais-que-perfeita. Em entrevista a VEJA, a autora fala sobre seu livro, maternidade, machismo e imigração.

Quando escrevemos, somos obrigados a parar de julgar

Leïla Slimani

Você disse em entrevista que deu fim trágico a seus personagens em Canção de Ninar porque estava achando o tema chato. Por que você o escolheu? A princípio, queria escrever sobre a personagem da babá. Queria falar sobre a relação com a mãe, com a família… A babá é alguém que não conhecemos. Mas depois, fui achando chato, me perguntei ‘Quem vai ler isso?’. Queria encontrar um jeito de transformar essa história banal em algo que pudesse atrair a atenção do leitor. É por isso que matei as crianças.

O livro não demoniza a babá, a mostra como alguém que busca pertencer a algo. Mas ela comete um ato terrível. É um livro sobre loucura? Eu sou uma escritora, não uma psiquiatra. Não posso fazer um diagnóstico. Mas penso que a babá vai perdendo a noção da realidade, fica obcecada. Acredito que, quando somos escritores, podemos ter empatia com quase todo mundo. O ato da babá é terrível, não é moral, mas podemos sentir empatia por um monstro, por um assassino, por um estuprador… Queria que ela fosse uma personagem, e não apenas uma louca.

Como escolheu o nome das personagens? Escolhi Louise por causa de Louise Woodward, um caso muito famoso nos Estados Unidos da babá de 19 anos britânica que matou a criança de quem cuidava (aconteceu em 1997), foi amplamente noticiado pela imprensa. À época, o advogado da babá culpou a mãe por não cuidar de seu filho: se ela não queria que seu filho morresse, deveria ter ficado em casa e cuidado dele. Myriam é um nome que não tem muita identidade em diversos países, mas em árabe é Maria, a mãe de Jesus.

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Você pensa em voltar para Rabat, no Marrocos, onde nasceu? Volto sempre para visitar minha mãe. Para morar, não. Eu me sinto muito bem onde estou. Moro há 15 anos em Paris, amo a cidade e pretendo continuar.

O que pensa da situação da mulher no Marrocos? Muita coisa já mudou desde que eu parti, mas acho que é preciso acelerar alguns processos. Que as mulheres possam ser herdeiras como os homens, por exemplo. Sobretudo, que se eduque os homens a tratarem as mulheres de maneira diferente, a aceitar que elas dividem o espaço público com eles, pegam o ônibus com eles, e que eles não têm direito de tocá-las, de faltar com o respeito.

Como foi sua juventude lá? Ela foi muito protegida, eu vivia em um meio um pouco burguês, ia da escola para casa, via amigos, não ficava muito na rua, ficava em casa lendo. Meus pais eram muito exigentes com os estudos.

Me sinto 100% francesa e 100% marroquina.

Leïla Slimani
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O que você gostava de ler? Dostoiévsky e Émile Zola eram meus favoritos. Do primeiro, adoro O Idiota e Os Irmãos Karamazov. Do Zola eu gostava muito de Thérèse Racquin.

Você diria que a tensão entre a babá Louise, francesa, e a família de origem árabe que a contrata em Canção de Ninar é uma metáfora para a situação dos imigrantes na França? Não, não acho. O que eu queria mostrar é que, quando se é imigrante, você não é obrigado a querer conviver apenas com outros imigrantes. Muitas vezes, quando você tem origem magrebina (da região norte da África), há uma visão comunitarista. Com Myriam, queria mostrar que ela é uma imigrante que não queria ficar presa nessa identidade, nesse papel. Ela não tem exatamente vontade de falar árabe, ela fala francês, ela não fala de religião e quer estar com pessoas que não são necessariamente de mesma origem que a sua.

Você se sente como imigrante na França? Não me sinto como imigrante na França. Minha mãe é francesa. Me sinto 100% francesa e 100% marroquina. Não há conflitos, isso não é complicado para mim.

Por acaso gosta de futebol? Eu adoro futebol.

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E o que pensa sobre a polêmica da Copa do Mundo, com pessoas questionando se jogadores das seleção francesa eram ou não franceses por serem imigrantes? Acho que não houve polêmica, só uns dois ou três artigos estúpidos. No início da Copa ninguém falava da origem dos jogadores, só no final, quando venceu. Essa conversa veio mais da Itália, que nem estava na Copa. Na França, no fim das contas, ninguém ligava, afinal nós ganhamos e queríamos festejar.

Eu penso que é preciso colocar mãe e pai em pé de igualdade. É preciso também que as próprias mulheres aceitem não serem perfeitas e se sintam menos culpadas.

Leïla Slimani

Você já se sentiu discriminada? Não. Francamente, nunca. Deixa eu pensar… não. Não teve nada que eu quis e não pude ter por ser magrebina. Talvez no Marrocos eu já tenha me sentido assim, mas por ser mulher. Não é um bom lugar para garotas.

Vemos em Canção de Ninar que também há uma culpabilização pela morte dos filhos pela mãe, embora a babá os tenha matado. Você acredita que há uma solução para essa responsabilização desmedida da mulher? Sim, é preciso mudar a maneira de pensar, como se a mãe fosse um estatuto tão mais importante que o pai. Eu penso que é preciso colocar mãe e pai em pé de igualdade. É preciso também que as próprias mulheres aceitem não serem perfeitas e se sintam menos culpadas.

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Você é mãe. E eu não sou perfeita (ri). Tenho um menino de 7 anos e uma menina de 1 ano.

Eles têm uma babá? Sim.

Ela leu Canção de Ninar? Sim, com certeza. Ela gostou bastante (ri). Muitas das situações tensas descritas no livro eu faço, também sou muito crítica em relação a mim mesma. Mas é importante que haja diálogo, e nós temos.

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