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Graciela Mochkofsky: jornalismo refugiado nos livros

Simone Costa A jornalista argentina Graciela Mochkofsky está há uma década longe das redações de seu país. Nos livros, ela conta que encontrou espaço para fazer um jornalismo independente, algo que afirma não existir na imprensa argentina. Graciela é autora de Pecado Capital (sem edição em português), em que trata do embate entre Néstor e […]

Por Da Redação Atualizado em 31 jul 2020, 03h21 - Publicado em 3 ago 2014, 19h05

Simone Costa

A jornalista argentina Graciela Mochkofsky está há uma década longe das redações de seu país. Nos livros, ela conta que encontrou espaço para fazer um jornalismo independente, algo que afirma não existir na imprensa argentina. Graciela é autora de Pecado Capital (sem edição em português), em que trata do embate entre Néstor e Cristina Kirchner e o grupo Clarín, e Estação Terminal (tradução de André de Oliveira Lima, E-Galáxia, apenas em versão digital, 9,90 reais), no qual narra o trágico acidente em uma das principais estações de trem de Buenos Aires e o dramático resgate dos mortos e feridos. “Essa tragédia ilustra muito bem a decadência da nação argentina, mostra como a corrupção e a falta de controle de um governo sobre os empresários que dominam o transporte público termina provocando a morte de 52 pessoas e ferindo outras 798”, disse ela em entrevista ao VEJA Meus Livros, na pousada em que está hospedada em Paraty.

Num texto publicado no ano passado na revista Piauí, a senhora fala da perda da ilusão com o jornalismo. Isso aconteceu por causa da situação da imprensa na Argentina?

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Quando comecei a trabalhar como jornalista em 1991, parecia que o futuro da minha geração seria o mesmo das gerações anteriores. Eu queria me tornar uma das principais colunistas de política do país, acreditava que chegaria o momento  em que minha geração iria dirigir as redações e faríamos um grande jornalismo, crítico ao poder e independente. Ao chegar aos 40 anos, percebi que uma parte da minha geração foi expulsa dos meios de comunicação porque não havia mais espaço para o bom jornalismo.

Não era possível ter opinião?

Sim, desde que fosse a mesma dos donos. E a opinião deles nunca era a mesma porque era sempre oportunista. Nesses últimos dez anos, desde que deixei as redações, o jornalismo na Argentina fez um trabalho ruim ao contar as histórias da transformação econômica e social, não só do país, mas da América Latina. Por isso, busquei refúgio nos livros porque neles eu poderia continuar aspirando um jornalismo de qualidade e sem censura, sem que alguém me dissesse o que eu poderia ou não abordar. Também criei com meu marido a revista digital El Puerco Espin. Ela ficou no ar durante quatro anos, até o início de 2014. Agora, estamos pensando num modelo de negócios para reativá-la.  Buscamos capital, mas não conseguimos encontrar ninguém disposto a financiá-la sem que tivéssemos uma agenda política definida.

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É preciso se posicionar para conseguir ter um meio de comunicação em seu país?

Na Argentina, sempre foi difícil saber quem são os donos dos meios de comunicação porque estes nascem atados a projetos políticos. Quando há eleições presidenciais, surgem muitos jornais lançados por gente que tem interesse direto no resultado delas. A maioria dura muito pouco tempo. Isso é uma tradição no país. O mais comum nos últimos anos são os empresários oportunistas que estão dispostos a fazer alianças com o governo em troca de benefícios econômicos e de poder político.

Em seu livro Pecado Capital, a senhora conta um capítulo importante da história da imprensa argentina, que é o embate entre o governo de Néstor e, posteriormente, de Cristina Kirchner com o grupo Clarín, que passou de amigo a inimigo do governo. Houve dificuldades para apurar um assunto que envolve o governo?

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Os problemas que tive foram aqueles de quem faz jornalismo investigativo, que é acesso a quem tem a informação, alguém que possa contar detalhes de uma reunião importante, por exemplo, ou a oportunidade de falar com os protagonistas e ter a chance de saber quando estão mentindo ou não. Decidi fazer esse livro porque essa é uma questão central da Argentina contemporânea e a imprensa nunca divulgou a história completa. Cada veículo contava apenas uma versão, que estava de acordo com sua posição e seus interesses. Tive acesso a ambos os lados envolvidos e creio que pude fazer isso porque não estava identificada com nenhum dos dois.

Como o livro foi recebido?

Muito bem, mas por um lado foi complicado porque cada um tratou de usar partes da apuração que lhe servia, para alimentar seus argumentos.

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Da parte do governo houve alguma reação?
Havia entrevistas que somente eu tinha, conseguidos anteriormente para um outro livro que escrevi sobre Timerman (o jornalista Jacobo Timerman), que corroborava uma parte – não toda – da versão do governo.  Eram entrevistas com fontes importantes, algumas já falecidas. O governo tentou me fazer levar essas entrevistas à Justiça. O que fiz foi imediatamente disponibilizá-las em meu site para que todos pudessem consultar e não fosse usada por um dos setores da disputa.

Há censura sobre a imprensa argentina?

Não há uma censura direta do governo sobre a imprensa, mas ele decidiu separar os meios de comunicação entre amigos e inimigos. A tragédia se deu quando a imprensa aceitou isso. Há uma quantidade enorme de veículos impressos na cidade de Buenos Aires que não se explica pelo mercado. Não é que todos os 3 milhões de habitantes da cidade e os 10 milhões da Grande Buenos Aires compram e leem esses jornais. O que acontece é que a maioria desses jornais vendem tiragens muito pequenas, alguns apenas 1000 exemplares por dia. O dinheiro para mantê-los não vem dos leitores nem da publicidade, mas dos empresários que têm interesse direto na luta política. Eles contam também com a verba do governo destinada à publicidade oficial, que se multiplicou enormemente nos últimos anos. Com isso, há jornais que pouca gente lê, mas é mantido graças ao governo, que financia a criação de diários oficialescos.

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 A relação da imprensa com o governo mudou com os Kirchner?

Ao chegar ao governo, eles fizeram algo que nenhum governo se atreveu a fazer desde Carlos Menem. Durante a ditadura, os jornalistas não tinham acesso à informação. Sempre havia um porta-voz que contava a versão oficial. O primeiro presidente civil depois da ditatura, Raúl Alfonsín, raramente falava com a imprensa. Ele também tinha um porta-voz extremamente enigmático. Era difícil saber o que ele queria dizer. Menem foi o primeiro presidente da história argentina disposto a falar com qualquer jornalista, mesmo aquele de uma rádio de uma pequena cidade do interior. Isso criou rapidamente uma cultura de que era normal um presidente responder às perguntas de qualquer jornalista. Não fazer isso, seria antidemocrático. Os Kirchner retrocederam nesse sentido. Em coletivas de imprensa, por exemplo, eles só aceitam perguntas feitas sob muito controle. Eles separaram a imprensa em amiga e inimiga. Declararam que La Nación era inimigo e o Clarín era amigo.

O Clarín, agora, é inimigo?

Durante quatro anos, o Clarín foi o principal aliado do governo. Havia outros veículos menores também, como Página 12, que eram os únicos que tinham acesso às informações oficiais. Jornalistas dos outros veículos não eram atendidos pelo governo, não podiam fazer perguntas nas coletivas. Até hoje, é muito difícil para os jornalistas estrangeiros porque eles não têm  acesso às coletivas de imprensa, nem conseguem falar com a presidente.

No livro Estação Terminal a senhora conta o desastre de trem que aconteceu em 2012, na cidade de Buenos Aires. Esse acidente marcou os argentinos?

Essa foi a maior tragédia ferroviária da história da Argentina. Ela ilustra muito bem a decadência da nação Argentina, mostra como a corrupção e a falta de controle de um governo sobre os empresários que dominam o transporte público termina provocando a morte de 52 pessoas e ferindo outras 798. Não se pode falar em acidente. É algo que nunca deveria ter acontecido. Um trem com mais de 2000 pessoas que estavam a caminho do trabalho, no horário de pico da manhã, totalmente obsoleto. Os empresários sabiam disso. As pessoas morreram no local porque nem os bombeiros sabiam como tirá-las do trem. Um resgate dramático durante todo o dia. No dia seguinte, ainda encontraram mais um jovem que estava morto em um dos vagões. Os argentinos não acreditavam no que viam. Parecia algo que se passa em um país extremamente pobre e não em um lugar que teve um dos sistemas ferroviários mais desenvolvidos da América Latina.

 

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