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Flip terá estreia de filme sobre as experiências de Hilda Hilst com o além

Para a diretora Gabriela Greeb, a poeta, que tentou ouvir as vozes de Kafka e Clarice, encontrou após a morte, com a própria obra, a eternidade que buscava

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2018, 15h39 - Publicado em 13 jul 2018, 15h00

Homenageada na edição deste ano da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a escritora Hilda Hilst terá o seu lado mais, digamos, curioso revelado em um filme com estreia programada para o evento. No segundo dia da festa, que acontece de 25 a 29 de julho, o longa-metragem Hilda Hilst Pede Contato, um híbrido de documentário e ficção da paulista Gabriela Greeb, vai mostrar como a escritora se valeu de experiências do físico sueco Friedrich Jurgenson para tentar comprovar a sobrevivência da alma após a morte – e para falar com os escritores Franz Kafka e Clarice Lispector e com o jornalista Vladmir Herzog, de quem queria informações sobre seu assassinato pela ditadura militar.

Hilda tirava seu rádio de sintonia e, sobre o chiado eletromagnético que tomava o ambiente, procurava ouvir vozes do além. “O que a Hilda mais queria com essas experiências era um diálogo. Eu faço uma metáfora com a busca de leitores, porque, no fundo, acho que era isso o que ela queria. E a eternidade que ela tanto buscava ela encontra na própria obra, quando passa a ser lida”, diz Gabriela.

A cineasta foi convidada a fazer o filme sobre Hilda por seu antigo herdeiro, o escritor e artista plástico José Luis Mora Fuentes, morto em 2009. Mora Fuentes viu A Mochila do Mascate, um documentário sobre o cenógrafo e diretor italiano Gianni Ratto, que morou no Brasil e dirigiu O Verdugo, peça de Hilda, quando a conheceu. “O Mora Fuentes me escreveu um e-mail em 2008, perguntando se eu gostaria de pensar, produzir e realizar um filme sobre a Hilda, que não fosse um documentário clássico, mas um longa poético, à altura da escritora. Ele morreu em 2009, mas, no tempo em que tivemos contato, pude entrevistá-lo, nós tivemos uma correspondência muito forte e ele me muniu de conteúdo para o filme”, conta a diretora.

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Gabriela Greeb participa, ao lado do português Vasco Pimentel, de uma mesa sobre as experiências de Hilda Hilst, às 10h da quinta-feira 26. Ao fim da mesa, ela lança e autografa o livro que leva o mesmo nome do filme, que sai pela editora do Sesi, e reúne o conteúdo editado das mais de cem horas de gravação feitas pela poeta, na tentativa de ouvir vozes do além. À noite, a partir das 21h30, Hilda Hilst Pede Contato terá exibição única no Cinema da Praça, uma antiga sala escura na Praça da Matriz de Paraty que foi reformada e será reaberta nesta edição da Flip. As sessões do cinema são gratuitas mediante retirada de ingressos. São 78 lugares e um lugar para obeso. 

Na programação da sala, além da sessão especial do longa de Gabriela Greeb, estarão filmes que dialogam com os conteúdos da festa, como Unicórnio, com Patricia Pillar, que também não chegou aos cinemas ainda. No circuito comercial, Hilda Hilst Pede Contato tem estreia prevista para 2 de agosto.

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Confira abaixo a entrevista de Gabriela Greeb a VEJA:

 

Qual a importância de mostrar o lado espiritual de Hilda Hilst? O experimento que Hilda Hilst fez de gravar a voz dos mortos não tem nada a ver com espiritismo. É uma tentativa científica de comprovar a continuação da vida. A Hilda questionava muito a finitude e a transcendência da alma. Ela dizia que não significa que todo mundo tem vida eterna, mas que, se você constitui uma alma nesta vida, ela talvez continue no além-vida. O filme brinca com isso, no sentido de inverter a situação. Nele, é Hilda, morta, quem procura pelos vivos.

O experimento que Hilda Hilst fez de gravar a voz dos mortos não tem nada a ver com espiritismo. É uma tentativa científica de comprovar a continuação da vida. A Hilda questionava muito a finitude e a transcendência da alma

Gabriela Greeb, diretora do filme 'Hilda Hilst Pede Contato'
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Os experimentos eram exclusivamente científicos? Claro que a Hilda era uma pessoa espiritualizada e tinha um culto à alma e ao espírito, mas é preciso deixar claro que essas experiências estão muito mais ligadas à ciência do que a uma mesa branca. Hilda buscava saber do que é feita a alma, a substância da alma, que ela dizia que não havia sido estudada profundamente pela ciência, e se ela sobrevivia à morte. Então, a ideia era estabelecer contato, gravar vozes para comprovar a continuação da vida. Ela seguia os experimentos de um físico sueco Friedrich Jurgenson, que tem um livro horrivelmente traduzido para o português como Telefone para o Além. Ele usava o ruído branco como corpo para gravar vozes incorpóreas. São experiências que pedem rádio fora de sintonia, você coloca entre duas estações, naquele chiado eletromagnético, que pede microfone, fita cassete, todo um aparato que ela montava para fazer o experimento. Hilda se dedicou a isso de 1974 a 1979, um curto período da vida dela, mas fez com muita disciplina, como tudo o que fazia.

Hilda Hilst, poeta, ficcionista, cronista e dramaturga brasileira (Clodomir Bezerra/VEJA)

Qual a relação entre a pesquisa do além feita por Hilda e sua obra? Em uma das fitas, ela pergunta, “Vocês, mortos, vivem?”. E essa frase, hoje, a gente pode entender como voltada para a própria Hilda, que está morta, e de repente adquiriu uma vida flamejante, fortíssima, catorze anos depois de sua morte. Ela é a própria resposta da experiência que fez em vida. O que a Hilda mais queria com essas experiências era um diálogo. Diferentemente dos outros poetas, ela queria ser ouvida e ouvir o outro. Eu faço uma metáfora com a busca de leitores, porque, no fundo, acho que era isso o que ela queria. E a eternidade que ela tanto buscava ela encontra na própria obra, quando ela passa a ser lida. A eternidade da alma talvez exista, sim, na obra.

Hilda Hilst tentou contato com alguém específico? Ela chamava Franz Kafka, Camus, Clarice Lispector, ela também tentou se comunicar com Vladmir Herzog, para saber se ele teria alguma coisa a dizer sobre a morte dele durante a ditadura.

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Ela teve resposta? Não é tão simples assim. Para saber isso, é preciso assistir ao filme. O importante é a voz dela, a poeta, e a sua procura. Mas ela teve interferências nas fitas, isso sim.

Em uma das fitas, ela pergunta, ‘Vocês, mortos, vivem?’. E essa frase, hoje, a gente pode entender como voltada para a própria Hilda, que está morta, e de repente adquiriu uma vida flamejante. Ela é a própria resposta da experiência que fez em vida

Gabriela Greeb, diretora do filme 'Hilda Hilst Pede Contato'

Que solução você encontrou para atender ao pedido do Mora Fuentes, de fazer um filme poético, não convencional? Fiz um híbrido de documentário com ficção, com realismo fantástico, uma mistura de presente, passado e futuro. A gente usou material inédito com a própria voz da Hilda, gravada nas fitas cassete. O filme é inteiro falado com a voz dela. A brincadeira é que a Hilda volta para casa, chamando os mortos e as pessoas que vão até lá para um grande encontro – amigos e conhecidos que se reúnem e conversam sobre ela, que dão informação sobre a Hilda. É uma pequena amostra desse universo hilstiano maravilhoso. A pessoa pode ver o filme e sair curiosa para conhecer Hilda Hilst, e não saciada de informação. É um filme que traz uma Hilda íntima, de forma fantástica e de forma lúgubre, palavra de que ela gostava muito.

A cineasta Gabriela Greeb (Gabriela Greeb/Site/Reprodução)

O filme esperou pela Flip para ser lançado? Não. Foi uma coincidência incrível. O longa atrasou porque, depois da filmagem com o Prêmio Petrobras, apesar de eu ter um material muito bom – o fotógrafo do filme é o português Rui Poças, que fez um trabalho brilhante –, eu perdi diversos editais, o que atrasou a finalização. Eu me inscrevi em mais de trinta, fui finalista de vários, mas as pessoas tinham dificuldade de entender o projeto. E a Hilda não era tão conhecida, ela está mais popular agora. Só em 2017 eu ganhei o Proac, da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, para terminar o filme em caráter de urgência. E, quando terminei, recebi uma mensagem sobre a Flip, uma coincidência incrível.

A coincidência deve beneficiar a ambos, ao filme e à Flip. Eu fico muito feliz em ter terminado o filme no momento certo. Se eu tivesse finalizado antes, talvez o público não estivesse preparado como agora. Este é o ano da Hilda. Na casa dela, tem um relógio com os ponteiros caídos, e no quadrante está escrito “É mais tarde do que supões”. E eu sempre vi esse relógio e sempre tive a impressão de que estava atrasada com o projeto, que levou muitos anos. E agora eu entendo que eu não estava atrasada, quem estava certo era o relógio.

O que você prepara para a mesa de performance sonora da Flip? A Josélia Aguiar, curadora do evento, até brincou, dizendo que vamos abrir os trabalhos da Flip. Vou fazer uma mesa com o português Vasco Pimentel, um dos autores do desenho sonoro do filme. A ideia é mostrar um pouco como se faz essa experiência, qual seu sentido, o que significa o ruído branco e por que ele era necessário. Qual o dispositivo usado, para ficar bem claro que era uma experiência científica e não religiosa. Vamos mostrar também alguns trechos escolhidos dos áudios da Hilda.

Apesar da ausência de Hilda Hilst, morta há catorze anos, o longa consegue captar o clima da Casa do Sol, onde ela morou e trabalhou em Campinas (SP)? Foi essa a ideia. E por isso eu corri com as filmagens. Quando ganhei o Prêmio Petrobras, em 2012, eu tinha certa urgência de filmar, porque a Casa do Sol, onde a Hilda morou e fez quase toda a obra dela, deixou de ser um lugar completamente isolado, já que a cidade avançou e se aproximou da casa. Terrenos em volta foram vendidos para a construção de um condomínio. O lugar logo perderia a característica do isolamento e do horizonte, que é fundamental. Então, com o dinheiro que recebi da Petrobras, eu decidi filmar com urgência tudo o que acontecia na casa, para poder ter no filme essa pureza, a casa tal como era antes que se transformasse. Hoje, por exemplo, a entrada do imóvel não é mais a mesma. O filme guarda uma memória real de como era a casa da Hilda, que não precisou ser reconstituída e se eternizou no filme.

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