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Eduardo Bueno: como a história se repete no Brasil

O jornalista Eduardo Bueno (Divulgação) Um povo que não conhece a própria história está fadado a repeti-la. E, é o que se diz, o brasileiro não tem memória. Embora chavões, essas sentenças são, para o jornalista Eduardo Bueno, verdades que se cruzam de modo comprometedor para o Brasil. “Lula se anunciando como pai do povo […]

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jul 2020, 14h20 - Publicado em 4 set 2010, 10h13

O jornalista Eduardo Bueno (Divulgação)

Um povo que não conhece a própria história está fadado a repeti-la. E, é o que se diz, o brasileiro não tem memória. Embora chavões, essas sentenças são, para o jornalista Eduardo Bueno, verdades que se cruzam de modo comprometedor para o Brasil. “Lula se anunciando como pai do povo no horário eleitoral é uma repetição de Getúlio Vargas”, diz. “O que revela que o Brasil ainda é um país com viés paternalista, onde as pessoas acham que a solução tem de vir dos outros, que a sua responsabilidade é quase nenhuma.” Autor de numerosos e bem vendidos livros de história, Bueno está sempre de olho no país. Um olhar que, para alguns especialistas, carece de formação acadêmica.

Ainda que não seja unanimidade entre historiadores, com cerca de 600.000 exemplares comercializados, Bueno é um fenômeno editorial. O primeiro do hoje avolumado nicho de livros de história, que inclui nomes como Laurentino Gomes, autor de 1808 e 1822, livro a caminho do mercado, Mary Del Priore, autora de Uma Breve História do Brasil e o também jornalista Leandro Narloch, autor de Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil – os dois úlrimos estão na lista de livros mais vendidos de VEJA, para onde Laurentino deve rumar. “Eu inventei esse mercado”, diz Bueno, sem falsa modéstia. E sem mentir. Foi a partir do estouro de Brasil: uma História – Cinco Séculos de um País em Construção, lançado em 2000 e relançado agora pela Leya, nova editora do gaúcho, que surgiram forças como a de Laurentino. Comenta-se, no mercado, que o autor de 1808 recebeu um adiantamento de cerca de 1 milhão de reais para publicar 1822 pela Ediouro (controladora da Nova Fronteira desde 2006) – cerca de 500.000 reais pelo livro e a mesma quantia por outros produtos.

Em entrevista a VEJA Meus Livros, Eduardo Bueno fala do surgimento e do crescimento do mercado de livros de história, da polêmica com acadêmicos e, é claro, de Brasil. Trecho de ‘O Brasil de Lula e do PT’, de ‘Brasil: uma História’.

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Por que livro de história vende tanto no Brasil: é carência de intelecto ou de identidade?
O Brasil é um país espantoso, que deixa a gente inseguro quanto ao futuro. Agora, um pouco menos, por causa da aparente estabilidade da era Lula, que não se revelou o comedor de criancinhas que todos temiam. Mas acho que existe de fato uma curiosidade sobre o futuro do Brasil e isso desperta também interesse pelo seu passado. É aquela coisa de “Quem somos, de onde viemos, para onde vamos”. E tem também uma questão de identidade. As pessoas me perguntam muito, nas palestras que eu dou, se determinados hábitos que temos são mesmo legado português. É uma crise de identidade, e a introjeção de uma mentalidade colonizada. Mas, olha, cara, não se vendia assim antes de mim. Falo isso independentemente de ego.

Se esse terreno ainda era incerto quando você começou, por que decidiu se arriscar nele?
Primeiro, porque história era um assunto de que eu gostava. Segundo, porque, pela minha experiência no mercado editorial, sentia que havia uma demanda reprimida por livros de história no país. Eu percebia essa demanda desde os anos 1980, quando fiz uma coleção na editora LP&M sobre os grandes viajantes do período colonial – o Américo Vespúcio, o Cristóvão Colombo e o Pero Vaz de Caminha – e aquilo explodiu, vendeu muito. Então, eu ampliei a coleção e incluí Marco Pólo, que entrou para a lista de mais vendidos de VEJA, cara.

Foi aí que você resolveu escrever os próprios livros de história?
Teve mais uma coisa que contribuiu para a minha decisão. Três que caras confirmaram o que eu pensava: o Fernando Moraes, com o best-seller Olga, meu amigo Jorge Caldeira, o Cafu, que vendeu 180.000 exemplares de Mauá, e o Ruy Castro, que não faz exatamente história, mas livros com substrato ligado à área, como biografias de grandes brasileiros. Eu olhava tudo isso e me dizia, “É óbvio que as pessoas querem uma história do Brasil com mais sangue, com mais vida, com personagem de carne e osso, com mais ação e aventura, e com um texto jornalístico, não acadêmico”. E vi que havia um longo período do Brasil a ser explorado: o colonial. Porque esses três caras que eu citei trabalhavam com o passado recente, com o século XX – mesmo o do Barão de Mauá, porque ele, ao defender a industrialização do Brasil no século XIX, foi uma espécie de arauto do que viria. Resolvi ir fundo e pegar aquilo que estava aprisionado na sala de aula. Percebi que um livro com viés jornalístico iria atingir um público que estava querendo isso. Além do mais, estava se aproximando a comemoração dos 500 anos do Brasil, era um ótimo gancho para Brasil: uma História.

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O que você costuma dizer aos que o criticam por não ter formação como historiador?
Pois é, até se criou uma falsa polêmica aí com alguns historiadores. Olha, preciso dizer que todos os historiadores que eu gosto e admiro são a favor do meu trabalho: o Nicolau Sevcenko, a Lilia Swcharcz, o José Murilo de Carvalho. Eles reconhecem que os meus livros despertaram um interesse sem precedentes por história colonial do Brasil. Mas dentro de certos círculos da academia houve, sim, revolta, indignação e o “feio sentimento da inveja”, como diz o meu amigo Augusto Nunes. Medíocres se manifestaram, dizendo que eu não estava preparado para fazer análises interpretativas, do que eu discordo.

Mas também acusaram você de cometer erros factuais. Isso procede?
Olha, cara, deve ter havido algum deslize típico de jornalista – com coisas menores. A edição original de A Viagem do Descobrimento teve 23 erros, depois corrigidos, e 21 deles eram de conversão de pesos e medidas – de léguas para quilômetros, por exemplo. Eu fiz os cálculos de cabeça e errei todos.

É verdade que você vai ficar milionário na Leya (risos)?
Eu ainda estou negociando valores com o Pascoal Soto (editor da Leya), mas não faço livro por menos de 120.000 reais, pagos como adiantamento – mais a porcentagem das vendas feitas a partir da reposição desse valor adiantado. E vai vir bastante coisa por aí. Eu escrevi 18 livros institucionais, obras feitas sob encomenda para empresas, por meio de contratos que me garantem a posse da obra após dois ou três anos. Três deles já retornaram para mim e o Pascoal quer lançar. Um, Avenida Rio Branco, é sobre a antiga avenida Central do Rio e foi escrito em comemoração dos cem anos da Caixa Econômica Federal, criada nessa via. Outro, o Passado a Limpo, que a princípio não deveria ir para o mercado, mas acabou indo, é sobre a história da higiene no Brasil e foi feito para a Kimberly & Clark. O terceiro se chama Produto Nacional e fala da história da industrialização no Brasil, a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Ao revisar Brasil: uma História, você fez mudanças apenas factuais ou também conceituais?
Sim. A maior parte das mudanças foi cosmética, mas fiz três alterações no conteúdo, duas porque a minha interpretação sobre os fatos mudou e outra porque surgiram novas evidências históricas – afinal de contas, e essa é uma coisa maravilhosa, o passado está sempre mudando, a história está sempre em construção. Tive de mudar a parte da pré-história devido aos novos descobrimentos arqueológicos no Brasil. E a parte dos jesuítas eu modifiquei porque, ao escrever o livro A Coroa, a Cruz e a Espada, para a coleção Terra Brasilis, eu estudei bastante a contra-reforma e concluí que a influência dos jesuítas havia sido mais nociva do que eu imaginava, por conta da supressão do hábito deleitura e do conhecimento. A reforma luterana estava toda ligada à leitura – da Bíblia e dos panfletos de Lutero. E na contra-reforma, articulada no Vaticano, mas posta em prática em Portugal e na Espanha, a leitura era tida como algo prejudicial. Outra alteração conceitual veio da minha pesquisa para Produto Nacional, quando eu concluí que D. Pedro II havia sido uma força reacionária com relação à indústria e à modernização. Ele tem um lado de que eu sempre gostei, o do interesse intelectual, que o levou a criar o Instituto Histórico e Geográfico, e o de conduzir sem estresse

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suas relações com o Parlamento. Mas ele apostou no binômio escravidão-cafeicultura e obstaculizou o Mauá.

Pensando nessa reconstrução constante, você continua a ver o Brasil como a pátria do jeitinho, do corporativismo e da cordialidade?
Cada vez mais e no pior sentido. Somos a pátria do compadrio, do coronelismo, do nepotismo, da burocracia gigantesca e ineficiente, da falta de cidadania, de uma política tradicional podre, do jeitinho mais rasteiro. Piorou, pô. Claro que existe um outro lado, telúrico, da terra, do corpo do Brasil, que eu amo, a energia geológica e geográfica. E também certos aspectos do povo brasileiro, suas cores e sons, o lance do futebol. Mas o Brasil institucional é brabo.

Você é fã de On The Road, de Jack Kerouac. Não houve convite para colaborar com o filme do Walter Salles?
Não, e a minha cara de pau tem limite. Eu não consegui me oferecer. Mas o Walter Salles me mandou um e-mail, dizendo que quer fazer algo baseado em A Coroa, a Cruz e a Espada. É esperar para ver.

Maria Carolina Maia

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