As fronteiras que definem o que é literatura estão cada vez mais difusas. Autores contemporâneos como o alemão W. G. Sebald e o mexicano Mario Bellatin incorporaram o uso de fotografias intercaladas na prosa. Em Contos de Lugares Distantes (tradução de Érico Assis, CosacNaify, 104 páginas, 45 reais), Shaun Tan, escritor e quadrinista australiano, também busca mesclar texto e imagem de forma que um meio narrativo complemente o outro. Sua arma não é a fotografia, mas o desenho a lápis e a pintura a óleo.
Tan é mais conhecido por HQs como A Chegada, em que narra a história de um imigrante que, ao sair de seu país de origem, se depara com um mundo estranho, incompreensível e ocasionalmente hostil. O impressionante de A Chegada, no caso, é o fato de o autor não usar texto – a HQ é composta exclusivamente de imagens ricas em detalhes. Apesar de não ter palavras, o livro constrói uma narrativa sólida e impactante.
Contos de Lugares Distantes, por outro lado, é mais tradicional, no sentido de que as histórias contadas tomam a forma de “contos”, na acepção corrente do termo. São textos que não pareceriam deslocados em uma antologia de fantasia e ficção científica que incluísse Philip K. Dick, Ray Bradbury ou escritores mais recentes como Neil Gaiman. E, no entanto, há um uso bastante criativo de imagens. Os desenhos e pinturas de Tan não apenas ilustram o texto, mas complementam a narrativa e fazem avançar a trama. Contos como Chuva ao Longe são ainda mais radicais na mistura. Aqui, a história é contada através de recortes de papel, cada um com uma fonte diferente. A revelação final da narrativa justifica a maneira como é contada. É um feliz caso de união entre texto e forma visual.
O assunto central de A Chegada, o contato com culturas diferentes, que parecem alienígenas para o narrador, retorna em diversos momentos de Contos de Lugares Distantes. Mas, se for preciso apontar uma temática recorrente e definidora do livro, pode-se dizer que Contos de Lugares Distantes gira em torno da visão que as crianças têm do mundo.
Muitos contos incluídos no livro poderiam ser facilmente classificados de infantojuvenis – o que não quer dizer que a obra de Tan seja destinada a crianças. O livro percorre uma interessante zona cinza entre a literatura infantojuvenil e a adulta: território que, no cinema, é explorado por cineastas como Guillermo del Toro, de O Labirinto do Fauno. Isso não quer dizer, claro, que as tramas de Tan agradarão sempre aos dois públicos. Contos de Lugares Distantes apresenta histórias que podem soar incompreensíveis e complexas para os leitores mais jovens, e outras, mais óbvias, que podem parecer melosas e bobas para os adultos.
Shaun Tan ocasionalmente cai em lugares-comuns da literatura fantástica, como o conto País Nenhum, em que uma família descobre um mundo secreto dentro de casa. As histórias mais clichês, porém e por sorte, estão em minoria. Contos como Os Gravetos e Feriado sem Nome (que versa sobre um feriado que seria quase uma antítese do Natal) mostram um autor intensamente criativo. Ainda que a prosa não seja o forte de Shaun Tan, o seu talento visual e sua inteligência na hora de mesclar texto e imagem fazem de Contos de Lugares Distantes um livro que merece a atenção das crianças – por não seguir o padrão de narrativa comportada que apresenta uma moral ao fim – e dos adultos.
Antônio Xerxenesky