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Contos da nova literatura americana

Ao final da leitura de 'Dez de Dezembro', sobram referências pop e alguma compaixão distante pelas desventuras narradas em suas histórias. É muito pouco

Por Diego Braga Norte Atualizado em 31 jul 2020, 02h36 - Publicado em 22 nov 2014, 08h44

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Nome promissor da nova literatura americana, o escritor George Saunders teve seu primeiro livro lançado há pouco no Brasil: a coletânea de contos Dez de Dezembro (tradução de José Geraldo Couto, Companhia das Letras, 248 páginas, 42 reais impresso ou 29,50 o e-book). Apesar de não ser mais nenhum garoto (ele tem 55 anos), Saunders é considerado um autor ainda promissor por ter começado a publicar tardiamente. Seu primeiro título, CivilWarLand in Bad Decline (TerradaGuerraCivil em Decadência Acentuada, em tradução livre) saiu em 1996, quando ele já tinha 38 anos, e, além disso, a consagração só veio dez anos depois, com o livro In Persuasion Nation (Na Nação da Persuasão, em tradução direta).

Com dez contos, o livro Dez de Dezembro é bastante irregular, misturando poucas histórias boas a outras banais. Os temas não variam muito, são sempre casos de pequenas (ou grandes) tragédias familiares e pessoais, uma parte narrada em cenário convencional e outra em uma atmosfera de ficção científica. Em comum, os contos trazem uma linguagem ágil e descompromissada – uma das marcas da nova leva de escritores americanos, composta por nomes como Jennifer Egan (A Visita Cruel do Tempo), Jonathan Franzen (Liberdade), David Foster Wallace (Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio que Longe de Tudo) e outros. Outro ponto de congruência entre os autores dessa geração é alternância constante do foco narrativo de uma história, que ora traz uma narração introspectiva em primeira pessoa, ora muda para uma descrição mais distante em terceira pessoa.

O recurso não é novo e já foi explorado por muita gente, mas tem na obra O Som e a Fúria, de William Faulkner, seu estado de arte. Estado que Saunders tenta, sem sucesso, emular no conto que dá título ao livro. Dez de Dezembro intercala a descrição, feita em terceira pessoa, da pequena aventura de um garoto gordinho que sofre bullying na escola com uma narrativa, em primeira pessoa, de um sujeito vítima de um câncer. Por uma coincidência do destino, os dois personagens se encontram e as duas narrativas distintas passam a convergir. O efeito, muito repisado e batido, deixa o conto com uma cara de exercício de estilo – como se o autor estivesse usando os diferentes focos narrativos por razão meramente estética, totalmente dispensável para a história que ele construiu.

Outro ponto que chama atenção nessa nova geração de escritores americanos, seja nos contos de Saunders seja nos livros dos autores citados, é a falta de profundidade e de ambição. Os livros se aproximam de obras juvenis (ou para young adults, como queiram), como a saga Crepúsculo, a trilogia Jogos Vorazes, ou qualquer um do John Green, o autor de best-sellers como A Culpa É das Estrelas e Onde Está Você, Alasca?. David Foster Wallace é a exceção que confirma a regra – seu livro Infinite Jest (Graça Infinita[1]) é uma obra-prima. A nova literatura americana parece se preocupar mais com diversão do que com a arte. Não há mal nenhum nisso. O problema reside no fato de autores e editores venderem histórias e livros dispensáveis como se boa literatura fossem. Dez de Dezembro, sucesso de marketing, ficou dezesseis semanas na lista de mais vendidos do jornal The New York Times. E seu autor, Saunders, amealhou diversos prêmios literários, incluindo o prestigiado PEN (Poets, Playwrights, Editors, Essayists and Novelists Association) na categoria contos.

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Alguns dos textos de Saunders parecem ter sido escritos sob medida para o cinema, que paga fortunas por histórias adaptáveis. Nos contos, abundam personagens caricatos, sem grande complexidade, conflitos familiares, angústias cotidianas, cenários urbanos e outros temas fáceis e assimiláveis para a indústria hollywoodiana. A literatura desde há muito tempo serve de fonte de inspiração e influência para o cinema e não foram poucas as obras adaptadas para a linguagem audiovisual. O curioso é que com esta nova geração de autores acontece o inverso: é a linguagem cinematográfica que parece influenciar as obras.

Ao final da rápida leitura de Dez de Dezembro, sobram as reminiscências das muitas referências pop e alguma compaixão distante pelas desventuras narradas em suas histórias (como sofrem os personagens de Saunders!). É muito pouco. Se os leitores estavam procurando literatura de qualidade, não encontraram. Se estivessem atrás apenas de diversão, má notícia, podem também não ter achado.

[1] O livro Graça Infinita, a obra totêmica de David Foster Wallace, foi traduzida por Caetano Galindo e sai no fim do mês pela Companhia das Letras.

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