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Brasileira que viveu em caverna: ‘O Brasil não cuida de seu povo’

Christina Rickardsson também morou nas ruas de São Paulo antes de ser adotada por suecos. Hoje bem-sucedida, divulga livro em que conta sua história

Por Meire Kusumoto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 set 2017, 15h30 - Publicado em 30 set 2017, 15h30

As primeiras lembranças de Christina Rickardsson são de Diamantina, cidade mineira a quase 300 quilômetros de Belo Horizonte. Ela se lembra de escalar pedras e da vida na natureza – na época, morava em uma caverna junto com a mãe. Christina ainda viveu nas ruas de São Paulo antes de ser levada para um orfanato e adotada, junto com o irmão mais novo, Patrick, por um casal sueco, que os levou para o país nórdico quando ela tinha 8 anos e ele, 1. Criada em uma família de classe média, viu na Europa uma realidade completamente diferente daquela a que estava acostumada, sem crianças nas ruas e com poucas pessoas pobres. “O governo brasileiro não cuida de seu povo, o dinheiro que os contribuintes pagam não é usado da maneira devida, há muita corrupção”, diz ao blog VEJA Meus Livros.

Hoje, aos 34 anos, Christina dá palestras em que conta a sua história, comanda a Coelho Growth Foundation, que atua ajudando crianças das favelas da Maré, no Rio de Janeiro, e Heliópolis, em São Paulo, e lançou um livro, Nunca Deixe de Acreditar (tradução de Fernanda Sarmatz Akesson, Novas Ideias, 256 páginas, 44,90 reais), em que relembra seus dias no Brasil e conta sua volta ao país, já adulta, na esperança de reencontrar a mãe biológica. O livro, best-seller na Suécia, foi publicado no Brasil em agosto e deve chegar aos Estados Unidos em 2018. “Depois que consegui fechar o acordo com a maior editora da Suécia, decidi que usaria o livro como uma maneira de contar a minha história e a de milhões de crianças no Brasil, para que os leitores soubessem como elas vivem. Em todo país que meu livro for publicado, haverá uma página sobre a minha fundação para que as pessoas saibam como ajudar essas crianças”, afirma.

Confira a entrevista:

 

Qual a maior dificuldade que você e sua mãe encontraram na caverna? Encontrar comida – me lembro de sentir muita fome nessa época – e ter de enfrentar animais selvagens como cobras, escorpiões e tigres. Às vezes, a gente comia pequenos animais e frutas que encontrava na floresta. Em outros momentos, ia para a cidade e tentava vender flores ou pedia dinheiro nas ruas.

'Nunca Deixe de Acreditar', de Christina Rickardsson

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No livro, você diz que a época da caverna foi a melhor da sua vida. Ainda acredita nisso? Tenho memórias muito felizes dessa época e acredito que a coisa mais importante que você pode receber quando criança é atenção e amor dos adultos. Era duro, nós passámos por muitas dificuldades, mas a minha mãe me deu muito amor, me contava histórias.

Quando você morava na caverna, pensava em como outras crianças viviam? Na época, eu não conhecia nada além da vida na caverna. Quando fiquei mais velha e comecei a ir a Diamantina pedir comida, vi que outras crianças iam para a escola, tinham casas e brinquedos e comecei a entender que nós tínhamos uma vida diferente. Na cidade, as pessoas, às vezes, eram malvadas conosco quando pedíamos dinheiro, nos xingavam, nos agrediam. Eu queria ser como todo mundo. Comecei a pensar em ir para a escola ao chegar em São Paulo, com 6 ou 7 anos. E só consegui frequentar aulas depois que fui levada para o orfanato.

No livro, você diz que há diferença entre descuidar dos filhos e viver em uma sociedade que não dá recursos aos cidadãos para que possam cuidar da família. Você culpa a desigualdade social no Brasil pela sua história difícil? Quando me mudei para a Suécia, aos 8 anos, não vi nenhuma criança nas ruas. Aliás, não vi nenhuma pessoa nas ruas. Vi um governo que cuidava de seus cidadãos. Foi aí que eu percebi que um país poderia ser diferente, que as crianças têm direito a educação, a saúde, a ter uma casa e refeições todos os dias. O governo brasileiro não cuida de seu povo, o dinheiro que os contribuintes pagam não é usado da maneira devida, há muita corrupção. Se o valor dos impostos fosse devolvido à sociedade, teríamos um lugar melhor para todos, as pessoas pobres, de classe média e ricas. Muitas pesquisas mostram que um país com poucas pessoas pobres tem menos violência e uma economia melhor.

Você se sente injustiçada pelo Brasil? Tenho uma vida muito boa hoje. Tenho minha própria empresa, sou escritora, meu livro foi publicado na Suécia e no Brasil e ainda vai sair nos Estados Unidos e em outros países em 2018. Eu não teria essa boa vida se não tivesse sido adotada e levada para outro país. Não devo agradecer ao governo brasileiro por ser quem sou hoje. Foi outro país que me deu o que tenho. O governo brasileiro não me deu, quando criança, a oportunidade de ir à escola, de ter comida todos os dias e um plano de saúde.

Christina Rickardsson ao visitar, em 2015, o orfanato onde morou quando criança
Christina Rickardsson ao visitar, em 2015, o orfanato onde morou quando criança (//Arquivo pessoal)

Você, às vezes, pensa em como sua vida poderia ser caso tivesse continuado no Brasil? Penso. Eu era pobre, sou mulher, não sou branca, então não vejo como teria oportunidade de ir para a escola. Nós precisamos de educação para encontrar um emprego. Não vejo como poderia ter me tornado alguém. Se você desse essa oportunidade a crianças pobres no Brasil, todas conseguiriam trabalhar e contribuir com a sociedade.

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Qual foi a sua primeira impressão dos pais adotivos? Eles eram completos estranhos para mim. Eles tinham vindo de outro país e eram brancos, tinham roupas bonitas, pensei que fossem ricos. Quando você é uma criança de rua, é nisso o que você pensa. Depois, quando mudei para a Suécia, descobri que, na verdade, eles eram de classe média.

Qual foi a maior dificuldade que você teve nos primeiros anos na Suécia? Foram duas. Primeiro, o choque cultural – me tornar sueca e me adaptar à cultura sueca não aconteceu da noite para o dia, houve muitos erros e mal-entendidos, você pode saber as leis e as regras de um país, mas só depois de aprender o código social passa a pertencer àquela cultura. A outra coisa é que foi psicologicamente difícil viver em um lugar que é tão bom com crianças e pensar que eu tinha amigos no orfanato, no Brasil, que talvez nunca teriam uma chance.

Na sua opinião, qual a coisa mais positiva da cultura brasileira? As pessoas são muito amáveis, felizes, acolhedoras. Também amo a comida brasileira – como muito quando vou ao país. Amo pastel, feijoada e comida mineira, como pão de queijo. No Brasil, sempre tomo suco de maracujá, é o meu favorito. Gosto de comida de rua, de pratos simples.

Você acompanha as notícias sobre o Brasil? Muito, li recentemente sobre moradores de rua que foram alvejados em São Paulo, sobre corrupção, sobre a Amazônia. Preciso estar a par porque tenho uma fundação no Brasil que ajuda crianças pobres. Acompanho as notícias sobre as condições de vida dos cidadãos – recentemente, li que 5 milhões de pessoas estão abaixo da linha da pobreza. Espero que as pessoas percebam que um país pode ser governado de uma maneira diferente e que a corrupção é um grande crime. Os políticos que estão embolsando dinheiro em vez de devolvê-lo à sociedade deveriam estar atrás das grades, são criminosos.

 

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