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Teorias da justiça e realidade brasileira

Ensaísta Davi Lago lembra Capistrano de Abreu, que propôs artigo único na Constituição: todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara

Por Davi Lago
20 dez 2020, 10h15

 

Qual justiça a sociedade brasileira busca? O conceito mais elementar de justiça preconiza que se deve dar a cada qual o que lhe cabe. A partir daí desdobram-se diversas visões sobre o modo e o conteúdo como a justiça se manifesta e expressa. O filósofo Chaïm Perelman apresenta na obra Ética e direito seis concepções influentes de justiça:

1. A cada qual a mesma coisa: nesta concepção todos os seres considerados devem ser tratados da mesma forma, sem levar em conta nenhuma das particularidades que os distinguem. No imaginário popular, afirma Perelman, o ser perfeitamente justo é a morte que vem atingir todos os seres humanos, sem levar em consideração nenhum de seus privilégios.

2. A cada qual segundo seus méritos: o que vale é a proporcionalidade ao mérito da pessoa, compreendido em termos morais decorrentes de atitudes consideradas nobres como altruísmo e sacrifício em prol de outros. É uma concepção muito relacionada a doutrinas religiosas.

3. A cada qual segundo suas obras: nesta concepção também vale a proporcionalidade, contudo, referente aos resultados da ação. Não há conotação moral, não se leva em conta intenção ou sacrifícios realizados, mas unicamente o resultado das ações. É uma concepção comum no pagamento de salários proporcionais ao desempenho.

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4. A cada qual segundo suas necessidades: esta concepção visa diminuir os sofrimentos que resultam da impossibilidade de seres humanos satisfazerem suas necessidades essenciais. É uma concepção que se aproxima da ideia de caridade. Perelman afirma que foi essa fórmula de justiça que inspirou grande parte da legislação contemporânea.

5. A cada qual segundo sua posição: é uma concepção que trata os seres humanos conforme sua pertença a uma ou a outra determinada categoria de seres. As pessoas são repartidas em categorias diversas e são tratadas de forma diferente. Há vários exemplos históricos: reservava-se um tratamento diferente aos cidadãos e aos escravos; aos nobres e aos plebeus; aos clérigos e aos servos ligados à gleba.

6. A cada qual segundo o que a lei lhe atribui: se ser justo é atribuir a cada qual o que lhe cabe, cumpre, para evitar um círculo vicioso, poder determinar o que cabe a cada ser humano. Esta concepção permite dizer que um juiz é justo quando aplica às mesmas situações as mesmas leis. É evidente que essa fórmula admite em sua aplicação tantas variantes quantas legislações diferentes houver. Cada sistema de direito admite uma justiça relativa a esse direito. O que pode ser justo em uma legislação pode não ser em outra. Com efeito, ser justo é aplicar, ser injusto é distorcer, em sua aplicação, as regras de um determinado sistema jurídico.

A experiência mostra que utilizamos diferentes concepções de justiça para diferentes esferas da vida. De todo modo, mesmo em uma leitura introdutória, percebe-se que a reflexão sobre a justiça está muito próxima da reflexão sobre a virtude. De fato, nenhuma teoria da justiça por si só é capaz de satisfazer as demandas sociais e os dramas da sociedade brasileira. As teorias oferecem balizas para a ação, mas as ações efetivas partem de pessoas reais. Os cidadãos e as cidadãs brasileiras são essas pessoas reais. Não por acaso, Capistrano de Abreu (1853-1927), um dos primeiros historiadores brasileiros de renome, respondeu aos repórteres do jornal A Manhã quando questionado sobre o problema social do Brasil e a possibilidade de uma reforma constitucional: “Eu proporia que se substituíssem todos os capítulos da Constituição por: Artigo Único: Todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara”.

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