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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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Regina: namoradinha do Brasil, noiva de Bolsonaro e viúva da ditadura

Inspirada em um dos papéis que interpretou, a atriz encarnou no governo a Viúva Porcina, aquela que foi sem nunca ter sido. Acabou sendo coadjuvante

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 Maio 2020, 12h03 - Publicado em 20 Maio 2020, 10h41

Camaleônica, capaz de carregar personagens populares que geram euforia e de encarnar emoções de perfis típicos da classe média brasileira, Regina Duarte também se mostrou uma metamorfose ambulante no estado civil. Passou de namoradinha à noiva e à viúva em tempo recorde.

Depois de ganhar a alcunha de “namoradinha do Brasil” na esteira das mocinhas açucaradas que interpretou em sucessivas novelas, assumiu o papel de noiva do presidente Jair Bolsonaro nas semanas de cortejo que precederam sua nomeação à Secretaria Especial da Cultura.

Declaradamente urdido nos labirintos de uma direita extrema que dá calafrios em parte do país, foi um enredo de gosto duvidoso e incoerente para uma atriz que rompeu tabus e preconceitos ao interpretar figuras icônicas como a protagonista de “Malu Mulher”, símbolo da emancipação feminina.

Também entra nesta lista a honesta Raquel Acioly, cercada de serpentes em “Vale Tudo”, trama cujo título autoexplicativo retratava um Brasil corroído pelo que há de pior.

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Bastou pouco tempo para que muita gente visse no novo papel de Regina uma faceta cênica que ela sempre evitou na carreira: o terreno das vilanias. De Viúva Porcina, agora virou viúva da ditadura, numa coreografia que chocou a classe artística e que hoje empurra, à beira do precipício do descrédito e da decepção, mais de 50 anos de vida artística. Inspirada no papel que interpretou, Regina Duarte encarnou no governo a Porcina, aquela que foi sem nunca ter sido.

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Numa leitura mais ardida dos fatos, a recente biografia política de Regina ainda remete melancolicamente aos papéis mais lembrados de sua via crúcis televisiva. Abandonando um contrato polpudo de estrela de TV, consagrada ao luxo de escolher papéis e ficar anos fora de cena, ela entrou de cabeça no governo Bolsonaro com a convicção ferrenha de que o país tem uma cultura única e que, ali naquele voo que hoje se evidencia cego, se punha imbuída do desejo de unificar a classe artística.

Um racha público, agravado por abaixo-assinado com mais de centenas de colegas famosos de profissão condenando sua apologia à ditadura militar, gelou a espinha até dos aliados da atriz, que bateram em retirada e a deixaram sozinha com o elefante na sala.

Regina caiu numa “Selva de pedra”, na qual vive um melodrama de personagens desmascarados e identidades falsas, como sua personagem na trama clássica de Janete Clair. A atriz já entrou desautorizada e tutelada, sem aval para escalar seu elenco de confiança, com Bolsonaro dizendo que teria poder de veto em cada canetada que ela pensasse em encenar.

Não pode dirigir a própria cena, não foi dona do roteiro que tinha que seguir, só verbalizou o que chegava aos seus ouvidos pelo ponto eletrônico do Palácio do Planalto.

Isolada, atacada pelas hostes extremistas do bolsonarismo (apesar de sua defesa ferrenha de alguns temas caros ao grupo), e lançada ao vale dos caídos pelo meio artístico mais combativo e politizado, Regina vê sua imagem reduzida à usina de sucata na qual o governo mói a cultura e as artes.

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E isso transparece no fim do Ministério da Cultura, no esmagamento da estrutura e no tombo do investimento governamental nessa área. E nisso a vida imita novamente a arte, levando Regina ao reencontro triste (farsesco?) com a matéria-prima da sua Maria do Carmo de “Rainha da Sucata”, que entrava em cena aos gritos de “su-ca-teeee-ira!!!”.

Regina é filha de militar, o que em parte pode sugerir suas preferências no espectro político. Seria exagero não achar natural essa inclinação mais à direita decorrente de formação familiar. E ela nunca teve medo de bancar publicamente posições polêmicas, como a campanha declarada contra o então presidenciável Lula (PT) na campanha de 2002, com sua célebre frase do “eu tenho medo” exibida na propaganda de TV do PSDB.

Apoiando Bolsonaro em 2018, disse ver nele “alma democrática” e atribuiu suas declarações consideradas homofóbicas a frases ditas “da boca para fora”. As afinidades levaram a atriz ao governo dele após alguns capítulos de suspense, mas com sedução mútua.

A linha foi cruzada na entrevista da atriz à CNN Brasil, na qual condenou a “morbidez” que via nos cuidados sanitários e de isolamento da pandemia da Covid-19, e fez defesa da ditadura militar (1964-1985), inclusive entoando seu lema ufanista “Pra frente, Brasil”, usado na década de 70 em que a tortura e desaparecimento de pessoas eram a ordem dos porões do regime.

É uma novela triste para Regina. O flerte deliberado com o trágico, um dar de mãos com a tragédia coletiva, que supera em muito o sofrimento de suas mocinhas. Mesmo em meio a um governo no qual a atriz fez, hoje se sabe, figuração apenas.

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