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Por que as discórdias humanas se potencializaram no século 21?

Ensaísta Davi Lago defende mais Martin Buber, que atribuiu ao diálogo a própria ontologia humana, nos tempos atuais

Por Davi Lago
13 ago 2021, 09h12

Os seres humanos estão brigando entre si desde a aurora dos tempos. Contudo, há pelo menos três fatores que potencializaram as discórdias humanas neste início de século 21. Primeiro, o crescimento demográfico. Em 2020 a população global foi estimada em 7,7 bilhões de pessoas – número espantoso já que em 1800 havia apenas 1 bilhão. A maior parte da população mundial passou a viver em cidades, cada vez maiores e sobrecarregadas de problemas. O gigantismo de cidades como São Paulo, por exemplo, ultrapassou a população inteira de países como Portugal. Quanto maiores as comunidades humanas, maiores as possibilidades de desentendimentos. Segundo, a globalização econômica e cultural. Ou seja, não só há mais gente na Terra, como essa gente está cada vez mais conectada por cadeias mercantis e culturais e, consequentemente, o entrechoque de ideias, projetos e interesses é maior. Em tempos passados o mercado era um evento (festivais, feiras mercantis, exposições de mercadores) e um lugar (rua de vendas, lojas, praças de bens e serviços). Na modernidade, passou a ser também uma instituição geral que impregna toda a realidade social, imbricando as pessoas em complexas cadeias de produção e especulação. Esta interdependência econômica ficou evidente assim que a pandemia estourou no início de 2020 com a desestabilização global de toda a cadeia de produção de um bens e serviços. Terceiro, a aceleração dos fluxos informacionais causada pelo desenvolvimento das tecnologias de comunicação. Não só há mais gente e mais integração, como há maior velocidade nas relações interpessoais em decorrência de tecnologias que vão dos smartphones ao metaverso. O ritmo frenético e a quantidade avassaladora de informações circulando amplifica a mútua incompreensão. Assim, as discórdias humanas cresceram em quantidade (demografia), amplitude (globalização) e velocidade (tecnologia). As sociedades passaram de uma polifonia (pluralidade de sons) para uma cacofonia (confusão de sons).

Neste contexto, revela-se a pertinência e atualidade da reflexão do filósofo judeu-austríaco Martin Buber que, na obra seminal “Eu e Tu” (1923), atribuiu ao diálogo a própria ontologia humana. Dialogar significa mais que expressar pontos de vista ou tentar chegar a alguma conclusão, mas ter a própria consciência de si. Para Buber, o ser humano tem duas possibilidades de relações: a relação de monólogo com a realidade (que ele chama de “Eu-Isto”), ou a relação dialogal (que ele chama de “Eu-Tu”). A verdadeira descoberta do “Eu” está no encontro com o “Tu”. Ou seja, o “Eu” não existe sem uma relação com o “Tu”. Assim, a consciência de si é derivada do diálogo. Diálogo não é a mera busca de unidade e consenso, mas a experiência axiológica da alteridade. Em “Diálogo” (1930), ao refletir sobre aspectos mais práticos, Buber distingue entre o verdadeiro diálogo – “que não necessita de nenhum som, nem sequer de um gesto” – e o monólogo disfarçado de diálogo – “o mais ardoroso falar de um para o outro não constitui uma conversação”. O verdadeiro diálogo envolve abertura, honestidade e compromisso mútuo, pressupondo a necessidade de ouvir o outro. Assim, na tradição buberiana, o diálogo e o encontro seriam os pontos de partida para qualquer ética e política. Aquele que só quer falar sem ouvir, exclui a si próprio do campo dialogal. Revisitar Buber é urgente nesta era de “líderes” públicos incapazes de desenvolver a qualidade mais básica da liderança: o diálogo.

* Davi Lago é pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo 

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