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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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O perdão em face da pandemia 

Teólogo Rodolfo Capler lembra as reflexões sobre o perdão do filósofo Jacques Derrida enquanto aumentam as tensões no Brasil por causa da pandemia

Por Rodolfo Capler
18 jul 2021, 21h07

Durante o ano de 1998, o filósofo argelino Jacques Derrida, conhecido como o “pai do desconstrucionismo”, encontrou-se com Nelson Mandela na África do Sul, durante os trabalhos da Comissão da Verdade e Reconciliação naquele país como resposta aos crimes contra a humanidade ocorridos durante o regime de segregação racial do apartheid. Naquele período a prática do perdão era o tema que parecia unir todos os esforços da sociedade sul-africana. Profundamente comovido pelas histórias de pessoas reais que foram mortas, torturadas e defenestradas durante o apartheid, Derrida sobrelevou o tema do perdão, aprofundando seus estudos sobre crimes contra a humanidade, impunidade e enfrentamento social do crime – os quais foram ministrados por ele durante os anos de 1991 a 2003, ficando reunidos sob o título geral de “Questions de responsabilité”.

As análises de Derrida formularam o entendimento de que o perdão não pertence à esfera política ou jurídica, sendo, portanto, uma atitude excepcional do indivíduo, que não pode nunca ser concedido pelo Estado ou por quaisquer instituições sociais. Compungido por histórias concretas como a de uma senhora sul-africana que durante a Comissão da Verdade dissera que “uma comissão ou um governo não pode perdoar” e que não estava disposta a perdoar os algozes de seu marido, Derrida depreendeu que o perdão não tem a ver com julgamento, punição ou castigo, mas com uma possibilidade humana incondicional de desendividar perpetradores.  Para Derrida – a semelhança da nossa tradição judaico-cristã –, o perdão possui essência divina por seu caráter excepcionalmente extraordinário, pois conforme dissera numa de suas entrevistas ao sociólogo francês Michel Wieviorka: “Só se perdoa o imperdoável, pois o perdoável já está perdoado”.

A reflexão filosófica de Derrida é muito pertinente para o momento que vivemos no Brasil. Com mais de 540 mil mortos em decorrência da Covid-19 – sendo parte considerável desses óbitos causados pela negligência de autoridades, – o perdão se apresenta como uma alternativa de cura para uma nação em luto. Embora os eventuais crimes praticados durante a pandemia estejam sendo apurados na CPI instalada no Senado e devam ser julgados e punidos sob o rigor da lei (pois, conforme Derrida “os homens são incapazes de perdoar o que não se podem punir”), há de se levar em conta que nenhuma penalidade poderá trazer as vidas humanas de volta, tampouco aplacar o sofrimento de centenas de milhares de famílias brasileiras. 

Sendo assim, aqueles que foram vitimados durante a pandemia podem conceder o perdão como a possibilidade de interrupção do curso dos atuais acontecimentos – que tendem a se perpetuar em nosso país por meio de um círculo vicioso de ódio. No Brasil de hoje, a exemplo da África do Sul encontrada por Derrida, só o perdão pode estabelecer um caminho de continuidade de vida e suturar as feridas causadas pela pandemia.

* Rodolfo Capler é teólogo, pesquisador e escritor

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