No livro O Vendedor de Passados, do escritor José Eduardo Agualusa, o protagonista da história vende passados à burguesia emergente do pós-guerra de Angola. Atende a empresários, militares de alta patente e políticos que buscam árvores genealógicas mais ilustres, passados mais dignos de orgulho.
No Brasil, hoje, pessoas tentando falsificar o passado pra deixar o presente com mais brilho não faltam. O Ministério da Verdade, criado por Orwell no livro 1984, é um desejo constante de governos autoritários e de mentes obtusas.
Enquanto isso, os vendedores de futuros, de quem mais precisamos, estão em falta. Não porque não existam. Pelo contrário, existem muitos, todos lutando pra sobreviver. Mas faltam porque viraram alvos. Porque estão sob ataque, sob asfixia deliberada e constante de um exército de cegos.
Não me refiro aos que vendem as nossas chances de futuro. Esses se proliferam aos montes. Vendem nossas vidas, nossas florestas e nossas esperanças a troco de migalhas, de esquemas, de vazios.
Me refiro aos vendedores dos futuros que poderíamos e que podemos ter. De futuros sonhados.
A arte tem muitos papéis. Um dos maiores, a meu ver, é esse. O de vender futuros. Possíveis e impossíveis.
O cinema, o teatro, a literatura, a dança, a música, todas as formas de arte, nos ajudam a ver além do horizonte que muitas vezes nos turva a vista.
Hoje, fica cada vez mais difícil ver um palmo além dos olhos. A tempestade de horrores parece fechar mais e mais o tempo do nosso futuro, preso e estrangulado na mão de figuras toscas, pobres de mente e de espírito.
Por isso a arte tem sido um refúgio tão grande. E precisa ser cada vez mais. Porque é refúgio e salvação. Porque fala de todos os tempos. É um caminho fundamental pra conseguirmos olhar pra frente de novo.
Quando Tarantino bota fogo num cinema cheio de nazistas, como no filme Bastardos Inglórios, ele está falando de passado, mas também de futuro. Uma tentativa de exorcizar fantasmas passados e dar ânimo pra novos futuros.
Quando Travon Free encara de frente um genocídio sistemático da população negra e ergue a cabeça pra dizer que vai ser diferente, como no filme Dois Estranhos, está falando de passado, presente (vide Jacarezinho) e futuro. De como ainda podemos ser.
Quando Paulo Gustavo une o Brasil, mesmo numa das fases mais divididas da nossa história, marcando o rosto dos brasileiros com sorrisos e lágrimas, como um dos maiores ídolos do país, ele está nos vendendo futuros. Futuros onde uma figura brilhante, com uma família linda, um marido amado, dois filhos pequenos e uma mãe que reflete o país, são um símbolo de amor e alegria para todos.
Quando um governo tem compromisso com o atraso, futuros tão livres e tão vivos devem assustar.
Talvez por isso o cerceamento às artes e o pacto com a desinformação, o negacionismo e a morte sejam tão presentes atualmente.
Para falsificar passados e enterrar esperanças, bastam a covardia e a falta de dignidade. Para sonhar futuros, é preciso imaginação e muita coragem.
Por isso precisamos tanto dessa grande Vendedora de Futuros.
Para voltar a olhar o horizonte. Voltar a rir e a sonhar.
Precisamos urgentemente de mais futuros. De mais Paulo Gustavo. De mais arte.
* Daniel Fraiha é jornalista e roteirista, Mestre em Criação e Produção de Conteúdos Digitais pela UFRJ e sócio da Projéteis – Criação e Roteiro.