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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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A questão ética da terceira dose contra a Covid-19 no mundo

Daniel Lança lembra que 64% da população do planeta ainda não recebeu a primeira dose. Qual deve ser a prioridade na estratégia de distribuição de vacinas?

Por Daniel Lança
11 out 2021, 08h34

No momento atual em que o pico de casos e mortes decorrentes da COVID-19 desacelerou fortemente nos países mais avançados na vacinação, alguns destes já começam a discutir a aplicação generalizada de uma terceira dose de reforço. Diante desse cenário, há uma importante questão ética a ser discutida: 64% da população do planeta ainda não recebeu sequer a primeira dose. Qual deve ser a prioridade na estratégia de distribuição de vacinas ao redor do mundo?

Primeiro, o cenário global em números: de acordo com o site Our World in Data da Universidade de Oxford (Inglaterra), apenas 46% da população mundial recebeu a primeira dose, enquanto 34% está totalmente imunizada. Quando isolamos os dados levando em consideração os países de baixa renda, apenas 2,3% das pessoas recebeu pelo menos uma dose. 

Portanto, é fato inequívoco que naturalmente houve uma priorização da vacinação de países ricos ou de indivíduos ricos vivendo em países pobres. A pandemia escancarou a desigualdade pelo mundo. Nenhuma novidade até aí. Todavia, é nesse cenário que se polariza tal discussão. Lideranças de países como os EUA – que tem vultoso estoque de vacinas contra a COVID – defendem a aplicação imediata e generalizada de terceira dose aos estadunidenses, defendida pelo próprio Presidente Joe Biden. 

Trazido o debate para o campo público, um grupo considerável de cientistas se opôs a tal iniciativa neste momento da pandemia do novo coronavírus. Em recente publicação na revista científica The Lancet, tais especialistas defenderam que, neste momento, a dose de reforço generalizada não é apropriada e que as atuais vacinas são eficazes na prevenção de mortes e casos graves, inclusive quanto às novas variantes. 

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Duas considerações são pertinentes neste debate.

A primeira delas é que esse tipo de decisão deve ser pautada pela ciência. Quem e quando receber a dose de reforço merece decisão fundamentada em pesquisa e dados, não pautada por conveniência política. Tanto deve ser assim que um painel de especialistas, pesquisadores e epidemiologistas da agência de saúde estadunidense Food and Drug Administration (FDA) recomendou a aplicação de uma terceira dose apenas a pessoas de alto risco ou alta exposição, como profissionais de saúde.

Há ainda outro ponto de inflexão. Existe uma cultura universalizada que acredita que o dinheiro compra tudo. Quem paga mais ‘meritocraticamente’ faz jus a qualquer tipo de prerrogativa. As fast tracks são um bom exemplo. Aparentemente inofensivas, elas existem para atalhar o tempo em filas, em pedágios e até em autoestradas. Basta pagar mais caro para que uma pista exclusivamente mais rápida lhe seja oferecida. Para quem não pode pagar, sobra o contentamento com a prestação de serviços convencional.

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Para serviços privados, acredito na livre iniciativa e no livre comércio. Mas veja a que nível essa ideia aparentemente inofensiva chegou: nos EUA, por exemplo, existe o conceito de pagamento de facilitação. O que todo o restante do mundo vê como puro e simples suborno, eles veem como negócio e lucro. Funciona assim: em diversos serviços públicos, existe uma taxa extra que confere condições especiais e tempo recorde. Simples assim.

Não é difícil perceber que o pragmatismo das fast tracks e dos pagamentos de facilitação aponta uma dura questão ética: o dinheiro pode comprar direitos? Se entendemos que saúde é um direito universal e fundamental da pessoa humana, penso que não há lugar para comprar condições especiais na fila da vacinação. Somente seremos livres quando nos libertarmos todos juntos desse mal do coronavírus. 

Daniel Lança é advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e Compliance Officer do Instituto Inhotim. É Professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC)

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