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Doenças mentais: a importância dos primeiros mil dias de vida

A plasticidade neuronal humana é imensa nos primeiros anos de vida: em cada segundo, 700 a 1000 conexões novas entre neurônios são formadas nessa fase

Por Luis Augusto Rohde
16 dez 2016, 14h32
Bebê carismático
(Instagram)

Na cultura popular brasileira, um ditado afirma: “Pau que nasce torto nunca se endireita”. Na área de saúde mental, existe um interminável debate sobre quem tem o papel mais relevante na determinação das doenças, os genes ou o ambiente.

Pesquisas apresentadas no último Congresso Mundial de Psiquiatria Genética começam a delinear mais claramente potenciais alterações em genes que determinariam a vulnerabilidade para esquizofrenia, transtorno do humor bipolar, autismo, depressão e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Esses estudos se valem de técnicas modernas de varredura genômica, uma espécie de análise detalhada de milhares de marcadores ao longo do DNA. A novidade é que essas abordagens estão sendo aplicadas a grupos de milhares de indivíduos afetados por uma doença e grupos de milhares de indivíduos sem a doença em questão. Será que a ciência está comprovando a sabedoria popular?

Felizmente, parece que ainda não! A plasticidade neuronal humana é imensa, principalmente nos primeiros anos de vida. Estima-se que, a cada segundo, 700 a 1000 conexões novas entre neurônios sejam formadas nesse período. Mas até aí se poderia pensar que as conexões se estabeleceriam apenas pela maestria dos genes de cada indivíduo. No entanto, pesquisas têm nos mostrado que, na verdade, o funcionamento dos genes é ativado ou desativado pelas experiências ambientais que vivemos na primeira infância.

Um fenômeno com nome complicado: epigenética. Rotas e conexões entre neurônios que são produzidas e mantidas por estímulos são fortalecidas e as outras desaparecem. Um estudo clássico é extremamente ilustrativo desse fenômeno. Filhos de ratas que exibem um cuidado materno mais adequado com eles no início da vida, quando atingem a idade adulta, ativam mais genes que determinam a expressão de receptores cerebrais que regulam resposta ao stress. Resultado: essa prole tem melhor resposta a situações de vida estressante! Qual a importância disso? Dados de inúmeros estudos demonstram que o efeito do stress crônico nos primeiros anos de vida na forma de pobreza extrema, maus-tratos, violência doméstica, depressão materna e abuso de sustâncias pelos pais, sem o efeito de tamponamento de ações adequadas e afeto dos cuidadores, é decisivo na alteração de mecanismos biológicos que se entranham no cérebro e aumentam risco para doenças crônicas. Estamos falando não só de problemas de saúde mental como depressão e adições, mas também de doenças clínicas como diabetes e problemas cardiovasculares.)

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O que importa aqui é que, se a ação não for rápida, a possibilidade de reversão desses desfechos negativos vai se reduzindo de forma acelerada. Entre os inúmeros programas de prevenção existentes, vale mencionar uma iniciativa desenvolvida na Jamaica e que buscou aprimorar e fortalecer a interação mãe-bebê através de interações que estimulavam o desenvolvimento cognitivo, social e emocional em crianças desnutridas com até 16 meses de vida. Consistia em visitas semanais realizadas durante dois anos por agentes comunitários que demonstravam por meio de brinquedos artesanais inúmeras atividades e potenciais interações entre a mãe e a criança. Aos 22 anos de idade, aquelas crianças que receberam a estimulação tinham maior escolaridade e remuneração média de trabalho em tempo integral 25% maior do que as crianças do grupo controle. Ainda, o grupo que recebeu a intervenção apresentou maior QI, mais conhecimentos de matemática e leitura, maior grau de escolaridade e menos sintomas de depressão e inibição social do que o grupo controle. Por fim, esse grupo mostrou probabilidade menor de desenvolver comportamento antissocial e praticar crimes.

Resultados iniciais com programas similares em solo brasileiro, capitaneados pelos professores Guilherme Polanczyk e Anna Chiesa, da USP, são bastante promissores e avançam na compreensão de um elemento ainda faltante nessa equação, o mecanismo biológico no cérebro pelo qual essas intervenções funcionam.
Não é por acaso que o professor Heckman, prêmio Nobel de Economia em 2000, tem se dedicado a demonstrar que os benefícios gerados por programas de intervenção precoce são maiores e mais duradouros que os implementados mais tarde, e que, por sua vez, aumentam muito mais as taxas de retorno em capital humano. Em suas palavras, para cada dólar investido na primeira infância temos um retorno de 8 dólares para a sociedade geral.
Mas para aqueles que não se convencem apenas com dados científicos, afinal humanos são diferentes de ratos, vale assistir ao filme O Começo da Vida” (https://ocomecodavida.com.br/). Não há melhor maneira de conectar as sinapses da emoção com dados científicos!

 

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(Ricardo Matsukawa/VEJA)

 

 

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