Adoção: a genética da criança deve ser revelada? Opine aqui
Os pais adotivos devem ter acesso ao histórico de doenças mentais e outros dados dos pais biológicos da criança para estarem cientes de potenciais riscos?
Diz o bom-senso que férias não é época de assuntos densos e complexos! Mesmo assim, gostaria de convidar o leitor a uma “discussão espinhosa” e, mais do que isso, gostaria de saber a sua opinião no fim dessa conversa. Pensando na pauta para essa coluna, participei de uma reunião do nosso serviço universitário de Psiquiatria da Infância e Adolescência há poucos dias. A residente que apresentava seu trabalho de conclusão tocou num ponto que tem me inquietado muito nos últimos anos: o sofrimento de alguns pais com a adoção.
Uma rápida visita a homepages das agências governamentais de proteção/bem estar de crianças de países desenvolvidos não deixa dúvida que os pais adotivos devem ter o direito ao mais completo repertório de informações sobre a saúde da criança a ser adotada, as condições de parto e a questões de saúde da família biológica.
Entretanto, muitas vezes não é isso que acontece lá e, certamente, não é o que acontece quotidianamente no nosso país, em relação a questões de saúde mental. Os profissionais vinculados às nossas agências ou não coletam essas informações por não entenderem a importância, as coletam de forma superficial, ou as suprimem dos pais adotivos no sentido de protegerem o chamado “melhor interesse da criança”.
Conversando com diversos atores desse cenário, entre eles profissionais que trabalham nessas agências, profissionais da área de saúde mental, advogados de família, juízes e promotores das varas de família, o discurso é o mesmo: vamos afugentar potencias pais que poderiam se interessar por adotar. Crianças vítimas de situações de vida desfavoráveis serão preteridas. O argumento para que todos nós possamos dormir tranquilos é: genética não é determinismo, ou o afeto pode modificar condições muito adversas na gravidez.
Perfeito, mas, ao mesmo tempo, o bebê que nasce está muito longe de ser a tela em branco pronta para ser pintada a partir da interação com os pais adotivos e com o resto do mundo, como nós, profissionais da área de saúde, antigamente pensávamos. Uma área do conhecimento denominada genética comportamental tem demonstrado a forte participação da herança genética nos problemas comportamentais e emocionais de crianças. Um relato emocionante dessa participação genética é feito por uma mãe adotiva, E.K. Trimberger, professora emérita da Universidade de Sonoma na Califórnia.
Soma-se a isso, o crescente conhecimento de que condições adversas durante a gravidez, como uso de substâncias, podem ter um potencial explosivo no desenvolvimento cerebral dos fetos. Um exemplo contundente é a chamada síndrome fetal alcoólica. Acima de tudo, embora não existam estatísticas claras sobre qual é o percentual de doenças mentais graves como Esquizofrenia, Transtorno de Humor Bipolar ou de Uso de Substâncias e gravidezes com uso pesado de uma ou múltiplas drogas na história de vida de crianças em situação de adoção no nosso país, é de se supor que o percentual
não seja insignificante.
É espantoso como a literatura médica passa ao largo dessa situação, ao passo que dezenas de artigos científicos se debruçam sobre dilemas éticos similares como o direito da criança gerada por doação de esperma ou óvulos ao conhecimento do doador biológico. No ambiente acolhedor e sigiloso do consultório é, mais comum do que o leitor possa imaginar, a situação de pais adotivos de crianças com graves problemas emocionais e comportamentais relatarem num misto de desespero e constrangimento que nunca foram preparados ou alertados sobre a importância de dados sobre a gestação de seus filhos adotivos e sobre a saúde mental dos pais biológicos.
O que fazer num cenário onde por um lado existe esse risco inquestionável genético e de problemas na gravidez determinarem uma chance aumentada de problemas emocionas e comportamentais na criança, mas, por outro, o Brasil é um país onde milhares de crianças esperam e necessitam de famílias adotivas?
Num cenário onde a maior parte dos pais e mães adotivos querem apenas o direito à paternidade e/ou maternidade e não têm motivações altruístas, exemplificadas na adoção de uma criança com grave enfermidade clínica para lhe prover um cuidador ou família, como o impulso maior para adoção? Como desconsiderar que também há um risco genético para famílias biológicas e
ninguém sai por aí exigindo o heredograma do potencial parceiro.
Como os psiquiatras são conhecidos por devolver as questões aos seus interlocutores, convido o leitor a responder a seguinte pergunta: Deve ser obrigação das instituições envolvidas na adoção registrar detalhadamente a história familiar de doenças mentais dos pais biológicos e todo o uso de drogas licitas e ilícitas na gravidez e perguntar ativamente aos pais adotivos se gostariam de ter acesso a essa informação e discutir potencias riscos, mesmo que a ciência atual indique apenas que o risco é aumentado sem conseguir quantificar com exatidão o tamanho dele?
Quem faz Letra de Médico
Adilson Costa, dermatologista
Adriana Vilarinho, dermatologista
Ana Claudia Arantes, geriatra
Antônio Frasson, mastologista
Artur Timerman, infectologista
Arthur Cukiert, neurologista
Ben-Hur Ferraz Neto, cirurgião
Bernardo Garicochea, oncologista
Claudia Cozer Kalil, endocrinologista
Claudio Lottenberg, oftalmologista
Daniel Magnoni, nutrólogo
David Uip, infectologista
Edson Borges, especialista em reprodução assistida
Fernando Maluf, oncologista
Freddy Eliaschewitz, endocrinologista
Jardis Volpi, dermatologista
José Alexandre Crippa, psiquiatra
Luiz Rohde, psiquiatra
Luiz Kowalski, oncologista
Marcus Vinicius Bolivar Malachias, cardiologista
Marianne Pinotti, ginecologista
Mauro Fisberg, pediatra
Miguel Srougi, urologista
Paulo Hoff, oncologista
Paulo Zogaib, medico do esporte
Raul Cutait, cirurgião
Roberto Kalil – cardiologista
Ronaldo Laranjeira, psiquiatra
Salmo Raskin, geneticista
Sergio Podgaec, ginecologista
Sergio Simon, oncologista