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Os testes genéticos: no que eles realmente ajudam no tratamento do câncer?

Quando eles são importantes e o real impacto no tratamento dos cânceres

Por Bernardo Garicochea
Atualizado em 16 Maio 2019, 15h29 - Publicado em 16 Maio 2019, 14h12

A senhora Verônica compareceu ao consultório do mastologista de sua família apresentando uma história impressionante de casos de câncer na família. A irmã dela falecera há 3 meses de câncer de mama, aos 29 anos. A mãe de Verônica teve câncer de mama aos 48 anos e faleceu seis  anos depois. Uma tia e um tio, irmãos da mãe, faleceram respectivamente aos 52 anos de câncer de ovário e aos 60, de câncer de próstata. O médico de Verônica prontamente imaginou que poderia estar frente a uma doença genética. Uma doença transmitida por uma mutação em um gene existente do lado da mãe que aumenta o risco para câncer de mama, ovário e próstata. Semelhante ao caso da Angelina Jolie. Ele solicitou o teste de DNA para Verônica na tentativa de saber se a mesma teria esta suposta mutação.

Passaram-se três meses e Verônica não consegue se decidir sobre fazer o teste. Conversei com ela na semana passada. Uma pessoa profundamente assustada com a possibilidade de ter o mesmo destino da mãe e da irmã. Verônica tem 35 anos e duas filhas, uma de cinco e outra de dois anos. Ela sabe que a informação genética é importante para ela e para as filhas, mas simplesmente não consegue imaginar como seria a sua vida se descobrisse que é portadora de uma mutação.

Percepção de risco

E ela tem sua parcela de razão. Verônica tem uma forte impressão que terá a mesma doença dos seus parentes. E nesse momento ela não consegue convencer-se que os benefícios da informação superam o terror que a mesma pode lhe causar. Esta sensação, chamada de percepção de risco, pode ser um obstáculo formidável para conseguir convencer um paciente a realizar um teste genético.

Vamos entender como Verônica deve estar processando a informação. Ela acompanhou a doença e o tratamento da mãe, da tia e, muito de perto, da irmã. A palavra câncer tem um significado de sofrimento físico, alheamento do mundo, ruptura de projetos, abandono e solidão, que certamente não tem eco em um indivíduo que nunca passou pela experiência que ela viveu em sua família.

Pode ser que associado à percepção de que o filme possa passar todo de novo com ela, o teste genético possa revelar algo que a assusta tanto ou mais do que poder ter câncer: a possibilidade de passar esta herança para as filhas.

A personagem acima é fictícia, mas a situação está longe de ser.

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Genética

Existem dados científicos sólidos demonstrando o benefício que pacientes portadoras de mutação podem ter se descobrem esta condição antes de terem câncer. O problema é que essa informação tem chegado a conta-gotas para a população geral. Felizmente, muitos mastologistas e ginecologistas têm uma compreensão muito apropriada sobre testes genéticos atualmente, e é a atitude deles que tem virado a balança lentamente a favor da testagem e consequentemente prevenção personalizada de câncer para pacientes como Verônica.

A primeira dificuldade é a formação muito superficial das pessoas em genética básica nas escolas. Mesmo as faculdades de medicina dão muito pouca ênfase para esta área que hoje está revolucionando a medicina. Assim, conceitos muito simples como o que são genes e o que são mutações, e como elas são passadas de geração em geração, são de difícil entendimento pela maioria das pessoas. Isso, às vezes, se manifesta pela tradicional afirmação, “sou igualzinha em temperamento e fisicamente à minha mãe, logo, também herdei a mutação”.  

A outra grande dificuldade de entendimento é que ter a mutação não é igual a ter câncer. Ter a mutação aumenta a probabilidade de câncer, mas um portador de mutação pode viver 100 anos sem desenvolver câncer. Ou seja, a mutação está associada com risco, mas não com inexorabilidade.

Teste genético: riscos e probabilidades

Todos nós intuímos o que significa os termos risco e probabilidade. Difícil é conceituarmos eles. Mas entendemos bem que é mais seguro viajar em um avião com manutenção perfeita do que em um em que não temos certeza disso, e por isso nos sentimos mais seguros em andar em um jato de uma grande companhia aérea do que em um monomotor de origem desconhecida, mesmo que a passagem do monomotor custe um terço da do jato. Da mesma forma, preferimos em uma cidade desconhecida e exótica, comer em um restaurante com aspecto mais decente do que comer a comida vendida na rua, mesmo que o preço do restaurante seja mais alto. A não ser que você esteja fazendo algum programa pago para um programa de TV e tenha um super seguro de vida e plano de saúde.

Você sabe que o risco de um acidente aéreo é muito maior com o monomotor ou o risco de pegar uma doença infecciosa intestinal é muito maior com a comida vendida na rua. Pode ser que a viagem de monomotor termine bem, ou até que o inesperado, o jato se acidente. Mas as probabilidades não apontam para isso. E pode ser que sua viagem termine com chazinho no quarto de hotel mesmo comendo no restaurante arrumadinho. Mas é a nossa capacidade de avaliar riscos que nos faz tomar decisões o tempo todo e essa é uma função inata do ser humano e que nos aumenta a chance de sobrevivência.

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O teste genético aponta para probabilidades, risco. Qualquer mulher pode ter câncer de mama. Aliás, só 10% das que têm câncer de mama tem mutação genética. Ou seja, o teste genético apenas aponta um aumento de risco em algo que poderia acontecer de qualquer maneira. Claro, temos muito pouco controle sobre todas as coisas na nossa vida, mas no caso das portadoras de mutação, o risco para câncer pode declinar muito se elas tiverem essa informação a tempo. Quanto maior o risco apresentado pela mutação, mais precoce e mais intensas devem ser as medidas a serem tomadas para proteger a paciente de câncer.

E essas medidas funcionam. Funcionam tão bem, que, curiosamente,  uma paciente com a pior mutação possível para câncer de mama tem menos chance de morrer de câncer de mama do que uma que não tem mutação, se tomar todos os cuidados de prevenção baseados em milhares de pacientes mundo afora por mais de 20 anos.

Porque a prevenção é especialmente benéfica nessas pacientes?

Prevenção

O câncer não é uma doença que surge em um dia ou em um mês. Na verdade, a maioria dos pacientes tem câncer em idade avançada porque é um processo que exige anos para ocorrer, ou o tempo que for necessário para que células adquiram várias mutações a ponto de se tornarem independentes do controle geral do organismo. Quem nasce com uma mutação em um gene para câncer apresenta uma maior facilidade de apresentar outras mutações, mais precocemente e mais rapidamente.

Assim, os cânceres associados a mutações tendem a ocorrer em pacientes mais jovens.  Como esse grupo de pessoas dificilmente estaria fazendo exames de prevenção, a presença da mutação auxilia a detectar cânceres de tamanho muito pequeno nestas pacientes em que inevitavelmente só seria descobertos em estágios mais avançados. Exames de ressonância magnética das mamas, que não envolve radiação e são mais sensíveis, são especialmente úteis nesses pacientes.

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Finalmente há a possibilidade de cirurgia preventiva das mamas, como fez Angelina Jolie, um procedimento que está menos popular atualmente, mas que ainda é uma alternativa útil para muitos casos. Atualmente discutimos com a paciente sobre a possibilidade de que a cirurgia seja adiada se ela realizar os exames de ressonância semestralmente.

Quanto ao câncer de ovário, um dos tumores mais fatais da espécie humana, não é necessário mencionar o tamanho do benefício que Verônica terá com a informação. Ela pode remover os ovários em uma cirurgia laparoscópica, quando decidir não ter mais filhos e pode até receber reposição hormonal com estrogênio por algum tempo para reduzir problemas associados à menopausa precoce sem que isso aumente seu risco para câncer de mama.

Se o teste genético não apontar nenhuma mutação, não será necessário cirurgia de mamas ou ovários e ela poderá seguir com exames de imagem anual e acompanhamento periódico com seu mastologista.

O futuro

Se o paciente com possibilidade de ser portador de uma mutação entender que as formas de proteção contra câncer são extremamente eficientes e não são complicadas de serem realizadas;  que ela pode auxiliar suas filhas a começarem a prevenção cedo para não serem surpreendidas por um tumor avançado e, especialmente, que ela faz parte de uma comunidade muito grande de pessoas que vivem a mesma situação e que resolveram grande parte de suas ansiedades por meio do conhecimento e da desmistificação da situação, é bem provável que ela perceba os enormes benefícios em fazer o teste genético.

Mais ainda, que ela faz parte de um grupo muito especial de pessoas em que os avanços na medicina de precisão, como exames de imagem mais avançados e confortáveis, biópsias líquidas e medicamentos que previnam câncer de mama ou ovário sejam oferecidos primeiramente para ela em um futuro próximo.

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Esta é uma luta que eu acho que vale a pena travar, a cada câncer que não se desenvolve, ou que é detectado cedo e curado, a curva no outro extremo encolhe: menos gente com diagnósticos de tumores avançados, menos mortes por câncer, menos sofrimento em tratamentos que podem durar anos muitas vezes.

Nunca poderemos nos livrar de uma doença que está associada à própria evolução da vida. Sem mutações não há variabilidade nas espécies e sem variabilidade estaríamos extintos em um piscar de olhos. Mas podemos detectar precocemente quando as coisas não vão bem e evitar que uma célula cancerosa ganhe chances de progredir. Por enquanto estes avanços com testes de DNA ainda atingem um grupo pequeno de pessoas, mas, se com apenas 20 anos de conhecimento sobre essas mutações já chegamos tão longe, não vejo porque imaginar que estamos no caminho errado e em breve este benefício poderá atingir a toda a humanidade.

 

Quem faz Letra de Médico

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Adriana Vilarinho, dermatologista
Ana Claudia Arantes, geriatra
Antonio Carlos do Nascimento, endocrinologista
Antônio Frasson, mastologista
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Bernardo Garicochea, oncologista
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