O jogo arriscado, e amador, de Bolsonaro e Lira contra o STF
Governo, Centrão e bolsonaristas inovaram no amadorismo político: flertaram com o desastre para mandar um "recado" aos juízes do Supremo Tribunal Federal
Jair Bolsonaro deveria promover a aprovação de uma emenda constitucional estabelecendo limite para os erros do governo no Congresso — os seus, os do Centrão e os da bancada bolsonarista.
Não vai resolver, certamente. Mas pode ajudar a arrefecer o entusiasmo pela catástrofe no Palácio do Planalto, que tem derivado em iniciativas arriscadas, mas amadoras, como a “tabelinha” de terça-feira entre o deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e líder do Centrão, e a deputada Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Tudo começou na obsessão de Bolsonaro de mudar, a qualquer custo, a composição do Supremo Tribunal Federal para obter maioria de votos no plenário.
Somou-se, então, o gosto de Lira pela revanche, em resposta velada à determinação do STF para destampar a caixa de segredos do orçamento paralelo.
O tribunal deu ordem para expor à luz do sol, até à segunda-feira 6 de dezembro, informações completas sobre R$ 20 bilhões em verbas federais extraídas do Orçamento da União, nos últimos 22 meses, sob a rubrica “emendas de relator” (código RP-9).
Significa divulgar os detalhes dessas operações realizadas sem transparência, incluindo os nomes de parlamentares envolvidos, a rota do dinheiro, o destino, os beneficiários e os eventuais intermediários.
Para atender Bolsonaro, a bancada bolsonarista se mobilizou em torno de duas propostas de emenda constitucional para mudar, de imediato, a composição do plenário do Supremo.
Uma foi assinada pela deputada Kicis (PSL-DF) e prevê a redução da idade-limite para aposentadoria dos juízes, de 75 para 70 anos. Outra tem a digital do deputado Alcibio Bibo Nunes (PSL-RS) e pretende ampliar o número de integrantes do tribunal, de 11 para 15 juízes.
Com o aval do presidente da Câmara, a deputada pautou a votação do próprio projeto na comissão que preside. Lira não iniciou a parte principal da sessão plenária (a Ordem do Dia) até que Kicis assegurasse votos suficientes para aprovar a tramitação da PEC na Câmara.
Ela conseguiu, Bolsonaro e Lira deram seu “recado” ao Supremo. Todos saibam que o projeto não passará — “em hipótese alguma”, reagiu, enfático, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Faltou bom senso, sobrou amadorismo. Não há motivo, urgência ou relevância num debate legislativo sobre uma emenda constitucional para reduzir a idade-limite (de 75 para 70 anos) de aposentadoria dos juízes do Supremo exatos seis anos depois que o Congresso aprovou o aumento (de 70 para 75 anos).
Na época, a manobra foi comandada pelo deputado Eduardo Cunha, na presidência da Câmara, para impedir que Dilma Rousseff fizesse novas nomeações no STF. Um dos que votaram sob orientação de Cunha foi o então deputado Jair Bolsonaro.
O retrocesso, hoje, teria consequências muito além das imaginadas pela dupla Bolsonaro e Lira.
Os reflexos no setor público abririam veredas para um debate sobre a revogação, ainda que parcial, da recém-aprovada reforma da Previdência, que o governo destaca como grande realização administrativa.
Adicionaria um componente de insegurança máxima na emergência de uma economia alquebrada, com recordes mundiais de inflação e juros, desemprego crescente e empobrecimento avassalador.
Se aprovada, a emenda Kicis permitiria a Bolsonaro indicar dois juízes no STF, mas deixaria ao próximo presidente a indicação de outros cinco no seu mandato (2023 a 2027).
Ou seja, com essa PEC promulgada, caso um adversário de Bolsonaro seja eleito, a oposição já começaria governando com cinco nomeações a fazer no Supremo — 45% do plenário de 11 juízes.
Governo, Centrão e bolsonaristas flertaram com o desastre apenas para mandar um “recado” ao STF. Conseguiram inovar no amadorismo político.