Dinheiro e tibieza institucional sustentam o ativismo nos quartéis
Por trás do ativismo nas polícias, que preocupa governadores, estão entidades de PMs. Ceará criou até CPI para apurar financiamento do motim de 2020
Se passaram 18 meses desde o motim de policiais militares do Ceará, durante treze dias do verão de 2020.
Resultou em 312 assassinatos, quase todos não esclarecidos, num aumento de 547% em relação ao mesmo período do ano anterior. Um senador acabou ferido com dois tiros no peito (Cid Gomes, do PDT, se recuperou).
O Ministério Público prepara acusações contra três centenas e meia de policiais. Até agora, porém, houve somente uma punição: um jovem soldado PM foi expulso por crime de “revolta” e “incitamento”, previstos no Código Penal Militar e passíveis de apelação.
A rebelião na PM do Ceará era contra o governo local, comandado pelo Partido dos Trabalhadores. Na época, recebeu elogios de Jair Bolsonaro e apoio de ativistas do bolsonarismo — com e sem mandato. Houve até celebração de amotinados com o emissário presidencial, chefe da Força Nacional enviada para dissolver o movimento.
Ano e meio depois, governadores se veem diante de um movimento político mais amplo dentro das polícias militares. Ainda não se conhece a dimensão, mas as informações de que dispõem indicam “claramente o crescimento desse movimento autoritário” com objetivo de “emparedamento” dos governadores — nas palavras de um deles, João Doria. Ele decidiu punir o comandante de sete batalhões do Sudeste paulista flagrado em propaganda de comício de Bolsonaro no 7 de setembro.
Ontem, começou a circular um manifesto de uma entidade de policiais militares, sediada em Brasília, propondo a desvinculação hierárquica das PMs dos chefes de governos estaduais. “Não podem ser empregadas de forma disfuncional por nenhum governador”, diz o texto, ressaltando um “laço indissolúvel” com o Exército que “não está sujeito ao referendo de nenhum governador, partido político ou qualquer outra ideologia que não seja a proteção da pátria, da segurança e da soberania”.
Por lei, polícia e forças militares não podem fazer política, mas o risco de contaminação política dos quartéis, incluídos os das PMs, já é parte da paisagem pincelada pelo governo Bolsonaro. Nela é notável a permissividade com rebeliões policiais. No Congresso, por exemplo, virou rotina a concessão de anistia aos envolvidos.
Novidade nesse processo é o avanço no ativismo de entidades de policiais militares, dissimuladas em associações recreativas, porque têm existência formal como sindicatos proibida.
A experiência do Ceará é ilustrativa. O motim de treze dias foi organizado e sustentado a partir de associações locais de PMs. Algumas estão com suas contas fiscais e bancárias sob investigação do Ministério Público.
Agora, a Assembleia Legislativa anuncia a instalação de uma CPI para investigar o financiamento o fluxo de dinheiro das entidades vinculadas à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros do Ceará.
Dinheiro e tibieza institucional têm estimulado o crescimento do ativismo nos quartéis.