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Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal e é formado pela FBI National Academy. Foi membro eleito do Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França, e é co-autor do livro Crime.Gov - Quando Corrupção e Governo se Misturam.
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Reflexões para o Dia Internacional do Combate à Corrupção

A corrupção no Brasil é tão arraigada e tão deletéria que o seu enfrentamento deveria ser alçado ao patamar de objetivo nacional permanente

Por Jorge Pontes
Atualizado em 8 dez 2020, 16h25 - Publicado em 7 dez 2020, 13h00

Nessa próxima quarta-feira, dia 9 de dezembro, celebra-se planetariamente o Dia Internacional do Combate à Corrupção, assim declarado pela ONU – na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – que foi assinada por 100 países em dezembro de 2003, em Mérida, no México.

Por aqui temos alguns motivos para comemorar, por conta de avanços importantes que tivemos na legislação que tangencia a matéria. Podemos citar a Lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, cujo nome utilizado pela comunidade jurídica internacional soa mais apropriado Brazilian Clean Companies Act – BCCA, ou Lei das Empresas Limpas, que estabeleceu e fortaleceu a atividade de compliance no país.

Outra iniciativa que também merece registro foi a Lei das Organizações Criminosas – Lei nº 12.850/2013 – que além de definir organização criminosa, dispõe sobre a investigação, os meios de obtenção da prova e o procedimento criminal a ser aplicado. Esse diploma, em especial, foi instrumental para o sucesso da Operação Lava Jato, mormente por conta da colaboração premiada, prevista como um dos meios de obtenção de provas, juntamente com a infiltração de agentes e a ação controlada, entre outros.

Contudo, o enfrentamento à corrupção sistêmica e, em especial, a morfologia aperfeiçoada pela realidade brasileira, que denominamos de delinquência institucionalizada, vem nos passando a triste impressão de que quando conseguimos avançar duas casas, passados não mais do que dois anos, o establishment reage e logra nos fazer voltar três casas para trás…

Essas ações que nos amarram ao atraso são exatamente o que o professor americano e especialista na matéria Edgardo Buscaglia, da Columbia Law School de Nova York, chama de “contra-reformas mafiosas”.

Aliás, a ocorrência de escândalos mundiais de corrupção em sequência estão provocando a produção de bons trabalhos analíticos sobre o tema. Merecem destaque aqui, para marcar a data que se avizinha, alguns livros que chegaram recentemente às livrarias.

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A jornalista Sarah Chayes, em seu recente trabalho On Corruption in America and What is at Stake (Corrupção na América e o Que Está em Jogo) lembra, sob o título “táticas e contra-golpes”, que grandes movimentos populares que conseguem derrubar governantes corruptos, cometem um grande e histórico equívoco, quando logo em seguida às conquistas dispersam, achando que sua missão estaria terminada em relação aos esquemas de corrupção. E prossegue: “as Hydras não morrem, e as redes das cleptocracias sempre lançam mão de táticas habilidosas para driblar o seus próprios destinos”.

Já sobre a atuação do lado privado do balcão nos esquemas ilícitos, o livro da jornalista Malu Gaspar, A Organização – A Odebrecht e o Esquema de Corrupção que Chocou o Mundo, lançado em dezembro corrente, destrincha com minúcias a quintessência das relações espúrias entre estado e empresa privada. O livro detalha como a Odebrecht departamentalizou a corrupção, incentivando seus executivos a comprarem políticos e a superfaturarem as obras, concedendo inclusive bônus por conta disso. Havia no organograma da empresa uma unidade só para o pagamento de subornos, o famigerado Setor de Operações Estruturadas. E nada ocorria por debaixo dos panos, isto é, a corrupção era o business as usual daquela empreiteira. O capitalismo de compadrio, aqui denominado de capitalismo à brasileira, é um dos pilares do nosso modelo de corrupção sistêmica.

A delinquência institucionalizada que atinge nosso país é um fenômeno singular que realmente merece ser detidamente esquadrinhado pela academia, sob a ótica da criminologia.

Já obra Corruption Scandals and Their Global Impact (Escândalos de Corrupção e seus Impactos Globais), uma compilação de textos atualíssimos publicada em 2019 pela Routledge Corruption and Anti-Corruption Studies, registra uma reflexão da professora americana Susan Rose-Ackerman que tem potencial de intrigar os eleitores brasileiros em especial: “…a democracia concede aos cidadãos o papel de determinar a escolha de seus próprios líderes políticos. Os escolhidos que se envolverem em corrupção podem igualmente ser retirados dos seus postos pelo voto dos seus eleitores. Mas a democracia não significaria necessariamente a cura para a corrupção. Inúmeros políticos que promovem campanhas com empoladas plataformas anti-corrupção, e com a costumeira retórica de que serão implacáveis com esses crimes, acabam envolvidos em escândalos. Aqueles que previamente bradaram os mais enérgicos discursos moralistas, acabam invariavelmente enredados pelas redes de corrupção que remanescem nas estruturas governamentais.

Importante esclarecer que a corrupção ocorre globalmente em diversos países – de forma semelhante nos seus mecanismos e jogos – mas com raízes e impactadas por causas diferentes, que variam de acordo com as idiossincrasias e as fragilidades históricas de cada nação. Logo, os remédios e abordagens para o seu enfrentamento não serão os mesmos e deverão considerar tais distinções.

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De volta à nossa realidade, percebemos, no modelo brasileiro, uma incrível capacidade de metamorfose das estruturas comprometidas que fornecem apoios à corrupção sistêmica, ocorrendo igualmente uma espécie de rodízio dos atores chaves das fraudes (os “chassis”), que dão a sustentação aos esquemas e promovem a defesa das oligarquias que os operam.

Daí chegamos a conclusão de que a repressão – no modelo da Operação Lava Jato – é importante mas não tem poder de mudança a longo prazo. Quando um grupo é atingido e retirado do poder, outro aparece transmutado, as vezes até suavizado, mas com as mesmas funções e intentos. Muitos dos esquemas permanecem latentes durante os lapsos entre as mudanças de atores chaves. As grandes transformações estruturais – de enfrentamento à corrupção- só poderão de fato ocorrer com reformas das instituições, no plano político, econômico, jurídico e social.

Como já dissemos nessa coluna, em outra oportunidade, a corrupção no Brasil é tão arraigada e tão deletéria que o seu enfrentamento deveria ser alçada ao patamar de objetivo nacional permanente, ao lado de outros, como integração nacional, democracia, paz social e etc.

Pois bem, tal enfrentamento justificaria inclusive a criação de um Ministério Extraordinário do Enfrentamento à Corrupção, aos moldes do Ministério da Desburocratização (que funcionou em importante missão, de 1979 a 1986). Essa pasta se encarregaria única e exclusivamente, em largo espectro, do projeto do combate à corrupção e da elaboração de medidas para a desconstrução do edifício da impunidade e das estruturas que foram criadas – de cabeça pensada – pelas oligarquias e elites políticas e empresariais, para sua desgraçada eternização.

E vemos que a sociedade civil organizada e os movimentos populares, tanto os de rua como os articulados em redes sociais, tem importância vital como força motriz para grandes transformações. Nunca é demais lembrar que os dois diplomas legais acima citados, as Leis 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas) foram aprovadas por um governo e um parlamento encurralados pelos massivos movimentos de rua de 2013.

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Por derradeiro, podemos então concluir que tanto o fortalecimento da atividade de compliance no Brasil, como a própria Operação Lava Jato com todas as suas conquistas e quebras de paradigmas, foram frutos diretos do ronco das multidões nas ruas e praças do país.

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