Nova ‘revolta da vacina’ expõe o bolsonarismo ao ridículo
Era só o que faltava: a politização da produção de vacinas para imunização da sociedade brasileira contra o coronavírus
Na noite da última quarta-feira, dia 21 de outubro, Bolsonaro desancou publicamente o seu ministro da Saúde Eduardo Pazuello e bateu o martelo: a CoronaVac, vacina desenvolvida contra a Covid-19 pelo laboratório chinês Sinovac Biotech, e que vem sendo testada no Brasil pelo centenário Instituto Butantan, não será adquirida pelo governo federal, mesmo se vier a ser chancelada cientificamente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.
Estava claro como água que Bolsonaro desautorizava Pazuello tão somente porque o projeto dessa vacina foi de iniciativa do governador de São Paulo, João Dória, que é adversário em potencial do presidente no pleito de 2022.
Era só o que faltava, para aprofundar ainda mais as trevas que atravessamos, a politização da produção de vacinas para imunização da sociedade brasileira contra o coronavírus.
Assistimos agora, em pleno terceiro milênio, na esteira do terraplanismo absurdamente defendido por alguns próceres do bolsonarismo, um verdadeiro revival da “revolta da vacina”, celeuma popular que assolou o Rio de Janeiro em 1904, e que coincidentemente ocorreu em relação à obrigatoriedade legal da vacinação contra a varíola, flagelo que assolava a então capital federal naquele início de século.
É o fim da picada lançar um tema de tamanha relevância nesse enorme Fla x Flu que se tornou o debate público no Brasil. Efetivamente o bolsonarismo não vê mais limites para a politização das coisas. Tudo é bandeira a ser levantada e defendida fanaticamente.
Os argumentos para rejeitar a vacina são rasos, e – pasmem – teriam sido passados a Bolsonaro por apoiadores possessos, nos cercadinhos virtuais que ele frequenta. Há, nesse caso, dois aspectos preocupantes. O primeiro é percebermos que a turba presente nas redes sociais, com o debate rasteiro de sempre e vociferando insanidades, tem o poder de influenciar e pautar decisões – equivocadas – do presidente da República; o segundo é como a aprovação de uma vacina, algo de cunho absolutamente científico, pode se tornar, de uma hora para outra, mais um tema para aprofundar o divisionismo da nossa sociedade.
Não sabemos o que é pior, se a influência de Bolsonaro nas redes ou vice-versa.
Na manhã de quinta-feira, dia seguinte ao imbróglio envolvendo a catracada sofrida por Pazuello, estava estabelecida a nova cizânia: milhões de celulares, e redes sociais no país inteiro, bombardeadas por posts com críticas ferozes em relação à “vacina comunista chinesa”. Eram legiões já odiando e espinafrando o produto da Sinovac Biotech, e também a todos que ousassem achar razões para defender a sua aquisição.
Os que vociferam contra a Coronavac, tão somente por ser chinesa, talvez ignorem que grande parte dos antibióticos utilizados por nós brasileiros têm procedência naquele país asiático, assim como outras vacinas contra o Covid-19, como a que vem sendo desenvolvida pela Universidade de Oxford, tem seu principal insumo igualmente fabricado na China, conforme confirmação de pesquisadores da Fiocruz, onde o medicamento será produzido.
Por derradeiro, percebemos que quanto menos exigente for a platéia do circo, e quanto mais fuleiro for o expectador, menos aplicado será o palhaço na sua performance, e mais mambembe será o espetáculo oferecido. A boa (e as vezes esquecida) notícia é que, a cada quatro anos, podemos mudar a trupe inteira desse circo.