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Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal e é formado pela FBI National Academy. Foi membro eleito do Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França, e é co-autor do livro Crime.Gov - Quando Corrupção e Governo se Misturam.
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Compliance: ajustando o outro lado do balcão

Chega a ser ridícula qualquer tentativa de encontrar algo negativo no engajamento de um ex-agente público nessa atividade

Por Jorge Pontes
Atualizado em 2 dez 2020, 17h21 - Publicado em 2 dez 2020, 17h20

A corrupção institucionalizada que foi descortinada pela Polícia Federal na Operação Lava Jato – e que atinge de forma crônica e sistêmica estruturas políticas, governamentais e empresarias no Brasil – é um flagelo que engaja necessariamente, no cometimento de delitos, dois lados do balcão: o setor público e o privado, respectivamente nos seus polos passivo e ativo.

Nem todos sabem, mas a corrupção – no modo ativo – é um crime cometido com a simples oferta – sem que seja necessário que o outro lado do balcão (funcionário público) caia na tentação e aceite o jogo sujo da parte privada.

No caso da modalidade passiva desse delito, é preciso, para configurá-lo, tão somente uma mera solicitação, igualmente sem a necessidade de que o polo ativo (ente privado) entre no jogo e pague a propina ao servidor corrupto.

Feita essa explanação, não é difícil concluir que se um lado não pode evitar o crime de corrupção se consumar por completo, muito pode ser feito e evitado quanto aos esquemas e os “clubes” formados pela comunhão e a simbiose do que há de pior nos dois lados desse balcão: empresários desonestos e agentes públicos permanentemente à venda.

Os maiores prejuízos causados pela corrupção – que impactam na economia, drenam os cofres públicos e enfraquecem a sociedade – como o desestímulo ao empreendedorismo, a queda vertiginosa da competência empresarial, o decréscimo do nível real de competitividade, o crescimento econômico artificial e a fuga de investimentos estrangeiros, são justamente os criados por essa associação sombria existente entre partes corroídas dos setores público e privado.

Nos Estados Unidos, país em que o capitalismo funciona bem – e onde não existe impunidade crônica no sistema penal – profissionais bem sucedidos do Law Enforcement & Justice, como juízes federais, promotores públicos e policiais de grandes agências como FBI, DEA e NYPD, são absorvidos pelas grandes empresas, para funcionarem como seus compliance officers.

A atividade de compliance, do inglês ”to comply” (cumprir), que pode ser traduzida livremente para o português como conformidade, é algo ainda novo na nossa cultura empresarial.

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Mas, ao contrário do que dizem e falam, por pura maldade ou total ignorância, não se trata o compliance de “defesa de corruptores do lado privado do balcão da corrupção”, muito pelo contrário.

O compliance não existe para proteger bandidos corporativos, pois na realidade tem como objetivo prioritário ser prospectivo, se adiantar preventivamente aos problemas, criando – profilaticamente – uma cultura de legalidade e obediência às regras, e dessa forma evitando que inconformidades e malfeitos sejam cometidos pelas companhias e seus executivos.

Um escândalo de corrupção custa muito caro a uma empresa. Muitas vezes os prejuízos são irrecuperáveis. Em uma única manchete de jornal noticiando o envolvimento em corrupção, escoam ralo abaixo dezenas de milhões e décadas em propaganda de uma marca comercial. Há nomes de companhias que viraram sinônimo de desonestidade. Há sobrenomes de proprietários que já se confundem com fraudes e enriquecimento ilícito…

Nada mais louvável e mais harmônico para um profissional de Justiça ou de Polícia Judiciária, do que, depois de terminada sua carreira pública, vender seus conhecimentos técnicos na área de compliance.

É como trocar de lado do balcão, seguindo com a corrente e o time do bem.

Aliás, o compliance chegou em boa hora. Antes, uma das poucas alternativas que um delegado ou um juiz criminal tinham, depois de aposentados, era advogar para os mesmos criminosos contra os quais passaram a vida atuando.

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Louis Freeh, a quem tive o prazer de conhecer pessoalmente, foi agente do FBI, promotor público, juiz federal e, finalmente, diretor geral do FBI, trilhando uma das mais brilhantes carreiras no combate à criminalidade em seu país. Pois bem, ao final de sua caminhada, foi para o setor privado, onde, em prol da obediência às leis, aplicou seus conhecimentos de investigação fundando a Freeh Group International Solutions, que se dedicava às investigações corporativas e ao compliance.

O setor privado, assim como tem o poder deletério de formar “clubinhos de propina”, como no caso das empreiteiras alvejadas pela Lava Jato, pode perfeitamente emparedar-se em blocos de integridade, em seus respectivos setores de negócios, e, independente dos retrocessos que possam se desenhar no setor público, começar a alicerçar uma sólida cultura de compliance, afastando-se, de moto próprio, da corrupção sistêmica.

Chega a ser ridículo – e até um demérito para nossa sociedade – qualquer tentativa de encontrar algo negativo no engajamento de um ex-agente público na atividade de compliance.

As críticas ao ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça Sergio Moro, por estar iniciando atividades nessa área, se amoldam a esse verdadeiro cacoete cultural do nosso país.

Finalmente, o compliance pode significar uma postura autônoma de resistência à corrupção sistêmica, por parte das empresas brasileiras sérias, que muitas vezes têm a percepção de que se não aderirem aos esquemas ficarão sem mercado em sua área de atuação.

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