As lições do vídeo da reunião ministerial
A evolução do combate à corrupção e a mudança no perfil dos alvos ligaram o alerta da classe política para o trabalho que vinha se fazendo na PF
Há uma conclusão lógica e, consequentemente, uma lição a ser tomada, da celeuma em torno do vídeo que registrou a fatídica reunião ministerial, na qual supostamente o presidente Jair Bolsonaro teria ameaçado o então ministro Sergio Moro de demissão, por conta da mudança da chefia da unidade da PF no Rio de Janeiro.
Da recorrente obsessão – controversa e mal explicada – de um presidente da República por uma específica unidade da Polícia Federal, concluímos o quanto essa instituição e o trabalho por ela desenvolvido tornou-se relevante, para não dizer apavorante, para certos extratos do Poder.
A PF efetivamente preocupa algumas autoridades, e isso não ocorre porque a instituição faz coisas erradas, muito pelo contrário. Homens que não devem nada à Justiça não guardam curiosidade alguma sobre o que tramita nas delegacias de polícia.
A evolução do combate à corrupção, e a mudança no perfil dos alvos e na abrangência das apurações despertaram, como seria inevitável, reações do sistema. A primeira delas foi ligar o alerta da classe política para o trabalho que se fazia na corporação – e a pressão aumentou consideravelmente nos últimos quinze anos.
A obtenção de informações privilegiadas sobre as nossas operações e inquéritos sempre foi o objetivo maior desses políticos, pois, afinal, eles precisam se proteger. De uns tempos para cá, mormente após o início da era das megaoperações da Polícia Federal, iniciou-se uma prática que vem passando batida aos olhos da sociedade: a abdução de delegados da PF.
Esse expediente começou com os convites de políticos para que delegados federais assumissem funções comissionadas fora da Polícia Federal, como a própria a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, que definitivamente não é lugar para um delegado da Polícia Federal da ativa.
A classe política, já que não podia indicar gente de fora para as funções de comando no âmbito da Polícia Federal, identificou uma forma de ter, futuramente, um delegado “para chamar de seu”. Nascia aí, de forma quase que silenciosa e incipiente, o golpe da abdução do delegado federal e, por conseguinte, a figura do “delegado pet”.
Os políticos abduzem alguns delegados assim como os extraterrestres procediam no famoso seriado de televisão, Arquivo X, quando um disco voador descia, pegava uma pessoa na Terra e, depois, devolvia alguém totalmente diferente, dentro do mesmo corpo. Assim ocorre com esses colegas, que raramente conseguem retornar “inteiros” para a Polícia Federal.
Temos que entender, de uma vez por todas, que o cenário político brasileiro foi parcialmente tomado pela corrupção, por grupos de malfeitores, e que isso, por si só, já seria suficiente para que homens da Lei, autoridades policiais, tomassem, por cautela, uma distância mínima regulamentar dessa classe de pessoas, que a tudo influencia e a todos contamina.
A propósito, que mensagem essa prática transmite aos delegados federais que passam a carreira inteira trabalhando na polícia, investigando e reprimindo os crimes dos poderosos? Aparentemente, que a amizade ou a proximidade com candidatos a cargos eletivos seria o atalho mais curto para os postos de comando da Polícia Federal.
Bem, hoje percebemos que esse costume vulnerabiliza profundamente a Polícia Federal, muito mais do que imaginávamos.
Por fim, nada adiantará a luta e a concessão da nossa tão desejada e importante autonomia, se não exigirmos o imediato fim das cessões de todos os policiais federais, de todas as carreiras da PF, com seu pronto retorno para a instituição. Podendo remanescer apenas os cedidos para o Ministério da Justiça, para as Secretarias de Segurança Pública dos estados e para as organizações internacionais de cooperação policial, como Ameripol e Interpol.
A lição que tomamos dessa crise é que a Polícia Federal – assim como seus delegados e agentes – para o bem do país, devem ser urgentemente blindados de toda e qualquer interferência política.