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“Vice”: como usar a sátira para chegar à tragédia e concorrer a oito Oscar

Atuação extraordinária de Christian Bale como o vice-presidente Dick Cheney é só um dos trunfos do filme de Adam McKay

Por Isabela Boscov Atualizado em 1 fev 2019, 19h11 - Publicado em 1 fev 2019, 19h05

Em entrevistas, Christian Bale tem brincado que foi chamado para fazer o papel de Dick Cheney, vice-presidente americano entre 2001 e 2009, no governo de George W. Bush, porque o diretor Adam McKay precisava de uma pessoa “sem carisma nenhum e detestada ou desprezada por todos” – e naturalmente, então, pensou nele. Cheney, de fato, não tem carisma nenhum, e talvez só não seja detestado pelos seus chapas dos setores de serviços de defesa, petróleo etc. (até virar candidato a vice, ele presidia a Halliburton, uma gigante petrolífera) porque a Guerra do Iraque, que Cheney em vários sentidos patrocinou, foi uma corrida do ouro para esse pessoal. Já o resto da brincadeira, esse é gozação mesmo: Adam McKay chamou Bale porque ele é um ator tremendo, e foi o ponto mais alto entre os muitos pontos altos de A Grande Aposta, que McKay dirigiu em 2015. Mas, se você não se lembra tão bem assim da figura de Cheney para apreciar como é fantástica a composição que Bale faz dele, não se culpe: agir nos bastidores, manter todas as cartas bem escondidas e não chamar atenção para si além do necessário foram os métodos muito bem-sucedidos que Cheney usou para concentrar poder em níveis extraordinários, e inéditos, na vice-presidência. Ele até tentou desabrochar nos palanques, quando concorreu ao Congresso pelo estado de Wyoming (cargo hoje ocupado por uma de suas filhas, Liz Cheney). Mas Vice argumenta que ele só ganhou porque sofreu um dos seus vários infartos durante a campanha, que foi então conduzida por sua mulher, Lynne, que é um dínamo (e que Amy Adams interpreta de modo magnificamente assustador). Vice está concorrendo ao Oscar em oito categorias: melhor filme, direção, roteiro, montagem, maquiagem, ator, atriz coadjuvante e ator coadjuvante (Sam Rockwell, no papel de Bush). Eu, por mim, indicaria mais um coadjuvante – Steve Carell, um arraso como Donald Rumsfeld, mentor de Cheney e depois seu ministro da Defesa.

Vice
(Imagem Filmes/Divulgação)

Uma palavra (muitas, na verdade) sobre Adam McKay: amigão de Will Ferrell, que é seu produtor, para quem ele dirigiu O Âncora  e com quem fundou o canal Funny or Die, McKay é o sujeito que, em 2007, pôs sua filha de 2 anos, Pearl, para fazer o papel de uma locadora boca-suja que vai cobrar o aluguel de Ferrell no hoje muito célebre esquete The Landlord. Ou seja, McKay tem um senso afiado do absurdo e da sátira, além de um estilo deliciosamente aloprado de contar histórias – e não tem nenhuma timidez nem tabu. Tudo pode ser objeto de sátira porque, se não pudesse, então ela perderia o sentido maior que ele dá a ela em A Grande Aposta, sobre a quebradeira mundial de 2008, e em Vice: a de um instrumento para buscar, na natureza humana, aqueles impulsos que nos fazem querer controle ou poder, que nos fazem ceder à ganância e à indiferença e que, em algum momento, nos levam a elaborar pretextos e racionalizações para colocar essa procura acima de tudo o mais – desde o bem comum, que para alguns pode parecer um valor abstrato, até o bem das pessoas mais próximas e queridas, que deveria ser muito concreto e palpável (há uma cena terrível em Vice, na qual Cheney joga aos leões sua adorada filha mais nova para garantir a eleição da mais velha; ele o faz com culpa e dor visíveis, mas faz. Antes ganhar o ressentimento da filha que perder uma chance mais de poder).

Vice
(Imagem Filmes/Divulgação)

Assim, não há nada de acadêmico na ideia de recriar a trajetória desse homem opaco, que na juventude parecia destinado a ser um fracasso – beberrão, briguento, sem rumo – e que, numa virada impressionante, com a qual a vontade de ferro de Lynne teve muito a ver, se colocou no caminho do poder absoluto. O qual usou de maneiras muitas vezes escandalosamente questionáveis e que resultaram em catástrofes verdadeiras (por exemplo, as estimadas 400 000 mortes de civis iraquianos durante uma guerra iniciada sob o pretexto das supostas armas de destruição em massa de Saddam Hussein, que nunca existiram, e com o propósito direto de fazer negócios). Com sua fusão ultra energizada de investigação, sátira, comédia, dramatização e drama, Vice chega à tragédia que é essa falência da alma – e argumenta que, quando se faz fiado com o diabo, nunca se termina de pagar. O problema é que o protagonista de Vice foi tão ardiloso que nem ficou com a conta: passou-a adiante para o resto do mundo, e deixou-o ainda pior do que o encontrou.

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Trailer

VICE
(Estados Unidos, 2018)
Direção: Adam McKay
Com Christian Bale, Amy Adams, Sam Rockwell, Steve Carell, Alison Pill, Lily Rabe, Eddie Marsan, Jesse Plemons, Shea Wigham, Bill Camp, Tyler Perry, LisaGay Hamilton, Justin Kirk
Distribuição: Imagem

 

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