“Todos Já Sabem”: Penélope, Bardem e Darín decepcionam
Depois de quatro filmes estupendos em sequência, o diretor iraniano Asghar Farhadi, de "A Separação", erra – ou pelo menos não acerta por completo
Laura (Penélope Cruz) retorna à Espanha depois de anos, para um casamento na família. A filha adolescente e o filho pequeno a acompanham; Alejandro (Ricardo Darín), seu marido argentino, teve de ficar em Buenos Aires. Toca encontrar parentes e velhos conhecidos. Para Laura, a maior de todas as satisfações é rever Paco (Javier Bardem), com quem ela teve um romance puxado antes de se casar, e de quem ainda é muito amiga – até vendeu para ele a propriedade falida da família, na qual Paco agora toca um vinhedo que vai muito bem. Então, na noite da festa de casamento, algo terrível acontece. O mundo desaba sobre Laura; Paco se deixa arrastar para dentro do tumulto; Alejandro pega o primeiro voo para a Espanha. Enquanto esses protagonistas lidam com o ocorrido, segredos vêm à tona, animosidades que se supunham enterradas ressurgem cheias de força, novos ressentimentos ganham vida. A aparência de confraternização e felicidade, enfim, não passava disso: de uma superfície. Por baixo dela, correm rios de bile. Essa é uma especialidade do diretor iraniano Asghar Farhadi, dos soberbos Procurando Elly, A Separação, O Passado e O Apartamento: o evento deflagrador que faz um arranjo se desestabilizar e se partir em peças que se movimentam de maneiras inesperadas, expondo as fraturas que havia entre elas.
Desta vez, porém, Farhadi não chega nem perto dos resultados anteriores. Em especial na sua primeira metade, Todos Já Sabem é desorganizado e carente de um centro, e se deixar levar ingenuamente pelos chavões a respeito da Espanha e dos espanhóis (é constrangedor, mas Bardem chega a bater palmas e gritar olé). Um dos dons de Farhadi foi, sempre, o de estabelecer prioridades para o olhar do espectador e levá-lo a se concentrar inconscientemente no detalhe que parece banal mas, mais adiante, vai se revelar crucial. O fato, porém, é que sempre filmou no Irã, onde nasceu, criou-se e onde vive (e, em O Passado, na França, que também conhece muito bem). Aqui ele está mesmo em território estrangeiro, dependente demais do elenco para sinalizar o que soaria ou não autêntico – e isso de delegar controle não lhe fez favores. Os atores também nem sempre ajudam: Bardem demora a se encontrar no papel (mas, verdade seja dita, encontra-se), Penélope é colocada numa situação repetitiva (desespero, choro, mais desespero, mais choro) e Darín, com uma tarefa mais bem delineada, leva vantagem. A filha adolescente de Laura é um problemaço, ainda mais por ser fundamental para a trama: pode ser falha da direção ou dela mesmo, mas a atriz catalã Carla Campra parece achar que rir feito tonta e rodopiar como pião são sinais de uma adolescente vivaz e impulsiva; em certos momentos, ela parece só desequilibrada mesmo.
Um cineasta caracteristicamente circunspecto, Farhadi se dá bem melhor na estirada final, quando Todos Já Sabem adentra o terreno do rancor – amoroso, familiar, financeiro, de classe –, essa fervura toda abaixa e a frieza entra em cena. Aí, seu temperamento de anatomista se mostra no seu melhor. E, como de hábito, o que ele encontra nesse exame patológico não é bonito: mesquinhez, ganância, mentalidade tribal, vingança tacanha. O duro é percorrer o caminho até aí.
Trailer
TODOS JÁ SABEM (Todos lo Saben) Espanha/França/Itália, 2018 Direção: Asghar Farhadi Com Penélope Cruz, Javier Bardem, Ricardo Darín, Carla Campra, Eduard Fernández, sara Sálamo, Elvira Mínguez, Ramón Barea Distribuição: Paris |