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Por Coluna
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Em “The Outsider”, de Stephen King, o medo vem aos poucos – mas vem

Série que agora está completa na HBO Go reúne a fina flor da trama policial em uma história de crimes selvagens e ameaça sobrenatural

Por Isabela Boscov Atualizado em 11 mar 2020, 21h02 - Publicado em 11 mar 2020, 20h49

A polícia tem provas incontestáveis de que Terry Maitland (Jason Bateman) é o autor do assassinato selvagem do menino Frankie Peterson: o DNA dele está espalhado pelo corpo do garoto, uma testemunha chegou a conversar com ele quando ele deixava o local do crime, coberto de sangue, e há até imagens de Maitland capturadas por câmeras de segurança na sua cidadezinha da Georgia. Só que, preso na quadra da escola local, diante dos alunos e suas famílias e também de sua mulher e duas filhas pequenas, Maitland, um pai de família amoroso e dedicado a atividades comunitárias, também tem provas incontestáveis de que estava a 100 quilômetros dali durante todo o dia do crime – inclusive imagens em vídeo do momento em que ele se levanta para fazer uma pergunta em uma conferência de professores, mais os testemunhos de dezenas de pessoas. Como explicar? Antes mesmo que qualquer hipótese surja (a ideia de um gêmeo é logo descartada), várias tragédias horrendas se seguem àquela primeira, a do assassinato. E Ralph Anderson (Ben Mendelsohn), o policial que fez questão de prender Maitland diante de toda a cidade como forma de execração pública, fica com um fardo profissional e pessoal: entender como uma pessoa pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. As explicações começam a se desenhar quando o advogado da mulher de Maitland contrata uma investigadora para destrinchar o caso: Holly Gibney (a fantástica Cynthia Erivo), uma mulher peculiar, que identifica e processa informações de maneira muito diferente do habitual. A questão é que as explicações são tão inacreditáveis, tão para lá de Marrakesh, que mal se pode dizer que elas sirvam como isso, como explicação.

The Outsider
(HBO/Divulgação)

Baseada no romance de 2018 de Stephen King, que comparece aqui também como produtor e roteirista, a série The Outsider, da HBO, que desde domingo está com todos os dez episódios disponíveis na HBO Go, preserva aquilo que o autor tem de melhor – a capacidade de fazer o que há de mais perturbador e depravado surgir nos ambientes mais amigáveis e tranquilos do coração da América. Ao mesmo tempo, avança em pontos importantes, como os diálogos (definitivamente, eles não são um dos talentos de King) e um rigor formal que em geral está ausente dos livros dele. Mérito do criador Richard Price, que é ele próprio um autor policial de estatura considerável, roteirista de The Wire e criador de séries como The Deuce e The Night Of. (Outro grande autor policial, Dennis Lehane, roteiriza dois dos episódios.)

The Outsider
(HBO/Divulgação)

Price delineia melhor os personagens, controla com mais habilidade o ritmo – aqui, uma fervura baixa que a certa altura se levanta e transborda – e dá a The Outsider uma concepção visual muito definida. De certa forma, ele faz por King aquilo que Frank Darabont fez por ele em Um Sonho de Liberdade e Rob Reiner em Conta Comigo: traduz o autor tão bem que sana as deficiências dele e faz com que seu brilho se realize mais plenamente (não vou citar Stanley Kubrick e O Iluminado porque aí já estaríamos por demais fora da curva). Não menos importante é a contribuição de Jason Bateman, e não só como ator: como produtor e como diretor dos dois primeiros episódios, é ele quem estabelece o clima de mal-estar que é o grande atrativo de The Outsider, e é quem dá também as diretrizes do que mostrar e do que apenas sugerir, deixando que a imaginação do espectador complete o quadro. Mas vale anotar que tanto Price como ele e os outros diretores (entre os quais Karyn Kusama, de O Peso do Passado e O Convite) entram firme na onda de copiar o estilo neutro, de planos ultracompostos, com aquela palheta de não-cores, que David Fincher inventou em Zodíaco e vem refinando desde então em filmes como Garota Exemplar e séries como Mindhunter.

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The Outsider
(HBO/Divulgação)

The Outsider não é uma série perfeita, e suspeito que o próprio Fincher desaprovaria alguns de seus maneirismos. Em particular, a pequeníssima profundidade de campo empregada em exagero até o sétimo episódio: põe-se o foco na cara de um personagem e qualquer coisa que está um palmo para trás ou para o lado dele já fica embaçada e borrada. É um jeito de expressar o quão indefinida, obscura e desconhecida é a ameaça que está em jogo na história, mas cansa. Ainda assim, eu diria que o compasso em que os episódios se desenrolam e o trabalho do elenco compensam essa e outras falhas. Cynthia Erivo é mesmo um espetáculo. No livro, sua personagem é uma mulher branca e franzina, que mal consegue operar socialmente e só mostra alguma segurança quando está resolvendo enigmas. Aqui, a investigadora Holly Gibney é um bocado mais autoconfiante – mas Cynthia consegue construir a autossuficiência dela não como arrogância ou intolerância, e sim como o efeito colateral de sua defesa contra a inadequação. Outro destaque, para mim, é Derek Cecil no papel de Andy Katcavange, um agente federal tão cheio de decência e humor, e que acha tanto encanto em tudo que Cynthia é e faz, que é impossível resistir a ele. E Mare Winningham, como a mulher do policial Ralph Anderson, é outro achado. O filho adolescente dos dois morreu de câncer dois anos antes, e os acontecimentos nefastos na cidade redobram o peso do luto deles. Acho que poucas vezes, porém, vi um ator equacionar esse estado de sentimentos com a inteligência que Mare usa aqui. (Curiosidade: assim como Jason Bateman, ela foi estrela de filmes adolescentes nos anos 80.)

The Outsider
(HBO/Divulgação)

Pessoalmente, em 99% dos casos a resolução desse tipo de mistério me deixa com algum grau de desapontamento, e The Outsider não é exceção (uma exceção notável? A terceira temporada de True Detective). Mas também acho que, nesse tipo de trama, o desenrolar é sempre mais importante, e mais compensador, que a conclusão. Nesse sentido, The Outsider não desaponta. O medo, o incômodo e o mal-estar vêm aos poucos, mas vêm. E, às vezes, chegam naquele ponto ótimo de saturação – quando você se pega lembrando de uma cena e se sentindo mal com a lembrança.

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