Em princípio, todo filme passado no Irã de certa forma é de terror: as mulheres embrulhadas nos chadors, a polícia religiosa que pode abordar qualquer um por qualquer coisa, os outdoors com imagens dos aiatolás – tudo isso dá mais medo do que de qualquer assombração. Mas e quando isso tudo é a assombração? Esse é o mote deste terror muito inteligente e curioso (e às vezes bem amedrontador) do diretor Babak Anvari, criado no Irã e radicado em Londres desde a adolescência. A história se passa no início da década de 80: a Revolução Islâmica tem seus quatro anos de idade, e Irã e Iraque estão engalfinhados na sua longa guerra, que só terminou em 1988. Mísseis iraquianos começaram a chover sobre Teerã. A jovem Shideh (Narges Rashidi) está proibida de retomar a faculdade de medicina por ter participado de movimentos estudantis na época da revolução. Vai ter de ficar em casa cuidando da filha Dorsa (Avin Manshadi), de seus 5 anos, enquanto o marido, que se formou médico, vai trabalhar numa zona de conflito. Shideh está inquieta e infeliz, e transpira desassossego. Acha que seu próprio estado de espírito está influenciando Dorsa, quando a menina diz ter sido avisada de que djinns, espíritos malignos carregados pelo vento, estão se aproximando. Shideh acha que se trata de fantasia, claro. E daí toma uns sustos e começa a pensar que, quem sabe, os djinns são de verdade. Pouco a pouco, os moradores dos outros apartamentos vão indo embora, fugindo dos mísseis. Shideh e Dorsa não podem ir porque Dorsa não acha sua boneca – e, na cabeça delas (ou talvez não só aí), enquanto os djinns estiverem de posse da boneca, não vão largar delas.
O trabalho de câmera de Anvari é habilíssimo: só com ele e quase sem efeitos (poucos, discretos, sugestivos e altamente eficientes), ele cria uma claustrofobia e paranoia que me encheram de arrepios. Narges e Avin são, também, atrizes excelentes. Aceitar ou não o elemento sobrenatural fica por sua conta: como nos melhores filmes de Roman Polanski – O Bebê de Rosemary, O Inquilino, Repulsa ao Sexo –, a história toda pode ser vista como uma intromissão do fantástico na vida cotidiana, ou apenas como a derrocada psicológica de uma mulher jovem que vê todo o seu futuro se estreitar em um túnel ao fim do qual não há nenhuma luz, e que tem de carregar com ela para essa escuridão a próxima geração. Em uma palavra, sensacional.
Aviso: o filme aparece na Netflix também com o título À Sombra do Medo
SOB A SOMBRA (Under the Shadow) Inglaterra/Irã/Jordânia/Qatar, 2016 Direção: Babak Anvari Com Narges Rashidi, Avin Manshadi, Bobby Naderi, Aram Ghasemy, Soussan Farrokhnia |