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Por Coluna
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Punho de Ferro

Boba e arrastada, nova série da Marvel/Netflix é um passo atrás. Ou vários

Por Isabela Boscov Atualizado em 17 mar 2017, 16h27 - Publicado em 17 mar 2017, 16h14

Toda vez que alguém fala na suposta fórmula de Hollywood para criar seus filmes e séries, acho a maior graça: que raio de fórmula é essa que resulta em tal quantidade de fiascos todos os anos? Até em algoritmos miraculosos da Netflix já se falou – teoricamente, o público gostou de Stranger Things porque a matemática avançada mapeou exatamente tudo que ele gostaria de ver em uma série (se forem os mesmos algoritmos que bolam a lista de “indicados para você”, falta muito chão ainda para eles funcionarem a contento, ou não me sugeririam – sério – a Galinha Pintadinha). É evidente que sim, estúdios, produtores, redes de TV e plataformas usam todos os recursos para tentar se aproximar da melhor alquimia possível com a plateia. E, no entanto, apesar desses recursos, da experiência e do traquejo, às vezes o que eles têm a oferecer é Punho de Ferro, a série produzida em colaboração com a Netflix que é o mais completo erro da Marvel desde que ela fincou sua bandeira de “eu mando aqui” no universo pop com o primeiro Homem de Ferro.

Punhos de Ferro
(Divulgação)

Como pode ser que a parceria que rendeu o excelente Jessica Jones, o muito bom Demolidor e o quase sempre interessante Luke Cage troque os pés pelas mãos de tal forma? Uma explicação a cogitar é que talvez também os produtores de entretenimento às vezes acreditem estar de posse de uma fórmula certeira: há o suficiente de contornos dessas outras três séries em Punho de Ferro para que ela pareça se alinhar com elas. O que não há é conteúdo capaz de sustentar essa aparência. Jessica Jones trafega no drama quase realista – relações abusivas, as sequelas psíquicas das vítimas de trauma, o narcisismo e a infantilidade que estão na raiz da psicopatia de um homem como o vilão estupendamente interpretado por David Tennant. Demolidor tem um viés noir acentuado, e vai fundo na violência urbana e na sensação generalizada de insegurança e decadência. Luke Cage discute de maneiras originais, às vezes até iluminadoras, a complexidade das relações raciais – e tem ainda muito a dizer sobre moralidade.

Punho de Ferro

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Punho de Ferro tem Danny Rand (o pouco empolgante Finn Jones), dado como morto, aos 10 anos, em um acidente aéreo no Himalaia, junto com seu pai e sua mãe. Quinze anos depois, Danny reaparece em Nova York, usando bata e calça de algodão cru e com os pés descalços – mas ainda assim espanta-se de verdade quando o tomam por impostor e não o deixam entrar na sede da Corporação Rand, da qual ele deveria ser sócio majoritário (não fosse o detalhe da sua morte, claro). A empresa está agora nas mãos dos seus amigos de infância, os irmãos Ward (Tom Pelphrey) e Joy Meachum (Jessica Stroup). Já na adolescência Ward era um idiota presunçoso, e continua a sê-lo. Mas dou o devido desconto a ele por achar que Danny é um sem-teto com problemas psiquiátricos; quem não acharia? Ainda mais porque, tomado seguidas vezes por várias pessoas diferentes por isso mesmo – um morador de rua com transtornos mentais –, Danny não se toca: não lhe ocorre que tomar banho, pôr roupas limpas e calçar ao menos um par de chinelos evitaria esses sucessivos e cansativos mal-entendidos. O que levanta outra questão: quantas vezes um roteirista consegue usar o mesmo truque antes de se cansar dele? Mais vezes do que a plateia, com certeza.

Punhos de Ferro
(Divulgação)

Vi os seis episódios iniciais do total de treze desta primeira temporada, e com boa vontade e bastante concentração dá para perceber que Punho de Ferro quer falar da inveja e rivalidade entre irmãos (ainda que irmãos postiços, como Ward e Danny), de figuras paternas merecedoras ou não do desejo de aprovação que elas suscitam, e das formas como nunca obter essa aprovação pode distorcer o caráter. Ora, é não é que há bastante assunto aí? Mas Punho de Ferro estiiiiiiiiiiiica esses conflitos básicos até deixar o espectador entorpecido – e só aí vai len-ta-men-te recobrando o passo. Já perdi a conta de quantas vezes Ward olhou com olhos de ódio para Danny, e Danny não percebeu; quantas vezes Joy se perguntou se é ou não uma boa pessoa por apoiar as decisões do irmão (jura, Joy, que é tão difícil assim?); quantas vezes uma certa figura misteriosa humilhou Ward, e não notou que mais uma ou duas dessas e Ward vai sair do seu controle; e quantas vezes a karateca Colleen (a simpática Jessica Henwick) disse para Danny que não pode mais ajudá-lo, e então amoleceu e o ajudou. Pode ser que já no sétimo episódio Punho de Ferro vire um estrondo e tudo isso tenha valido a pena. Tenho minhas dúvidas. Até na paleta de cores a série é monótona: contra os rubros e negros de Demolidor, as cores ácidas de Jessica Jones ou os pastéis sujos de Luke Cage, o que ela tem a oferecer são cinzas e beges neutros e azuis frios.

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Punhos de Ferro
(Divulgação)

Não bastasse o eterno andar em círculos de Punho de Ferro, sua mitologia é a mais difícil de engolir de todas as séries Marvel/Netflix até aqui (ou talvez o problema seja a maneira infantil como ela é apresentada; mas o resultado prático é o mesmo). Danny passou esses quinze anos em uma espécie de reino entre o céu e a terra, K’un Lun, treinando com os monges da Mãe Garça ou algo que o valha – e ele não hesita em contar essa história para qualquer um, e sempre se magoa quando não acreditam que ela seja possível. Lá em K’un Lun, Danny descobriu que era o Punho de Ferro, único guerreiro capaz de derrotar a ordem do Tentáculo (que já fez aparições bem mais estimulantes em Demolidor). No sexto episódio, apresentou-se a possibilidade de ele lutar com a idosa Madame Gao (a excelente Wai Ching Ho), e vibrei: será que ia rolar uma daquelas cenas como as que a formidável Cheng Pei-Pei protagonizou até uma idade considerável? Mas não – oportunidade desperdiçada.

Punhos de Ferro
(Divulgação)

Até o punho de ferro em si é uma decepção: Danny adora lutar kung fu, e deve ser por isso que ele apanha aos montes antes de ficar realmente bravo e convocar seu superpoder – basicamente, uma mão direita meio inchada, iluminada por dentro com um laranja fosforecente (pensando bem, lembra muito uma lava lamp). Em comparação, a decidida Colleen quebra o braço do adversário ou pega a katana e resolve qualquer luta em segundos, sem fazer estrago à sua volta e sem perder tempo. Mas isso de não perder tempo é um conceito que, até aqui, tem se mostrado estranho a Punho de Ferro.

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