Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Isabela Boscov Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Coluna
Está sendo lançado, saiu faz tempo? É clássico, é curiosidade? Tanto faz: se passa em alguma tela, está valendo comentar. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

“O Assassinato de Gianni Versace”: primeiro o horror, depois a tristeza

Darren Criss, de Glee, tem um desempenho atordoante como Andrew Cunanan, o assassino em quem a série concentra todo o seu foco

Por Isabela Boscov Atualizado em 30 jul 2020, 19h58 - Publicado em 13 fev 2019, 21h02

Gianni Versace (Edgar Ramírez) acorda num dia de sol na sua mansão-ostentação em Miami, toma café da manhã no pátio, sai de bermuda para comprar revistas na banca – e na volta, ao pôr a chave no portão, leva vários tiros do rapaz que andava rondando por ali de forma errática e ansiosa. O estilista morre no auge da fama, sangrando nos degraus de sua casa, socorrido tarde demais pelo namorado, Antonio D’Amico (Ricky Martin). Desse drama operístico, o espectador possivelmente já conhece o enredo, ainda que só de ouvido, e talvez por isso o primeiro episódio de American Crime Story: O Assassinato de Gianni Versace não “agarre” de cara. Mas não desista, e insista: é no assassino, Andrew Cunanan, que a série concentra o seu interesse – um interesse vivo, intenso, que o ator Darren Criss faz por merecer com um desempenho acachapante (se série de TV entrasse no Oscar, os outros candidatos que se cuidassem). Darren Criss foi do elenco de Glee, também criado pelo todo-poderoso Ryan Murphy, e tem grande semelhança física com Cunanan. Tem também, de início, aquele jeito meio pão-de-forma de rapaz educado e não imediatamente memorável, o que é um tremendo bônus: Cunanan tinha imenso rancor da maneira como era subestimado e, ao mesmo tempo, tirava proveito de sê-lo. Era um sujeito extremamente volátil, mas escolhia o momento no qual lhe convinha revelar essa instabilidade.

American Crime Story: O Assassinato de Gianni Versace
(Netflix/Divulgação)

No dia do assassinato de Versace, 15 de julho de 1997, Cunanan estava a pouco mais de um mês completar 28 anos. Sua vida não é muito conhecida, e vem cheia de zonas obscuras (o que se intui delas é terrível). Versace deu a ele a fama que, em parte, ele procurava com o assassinato. Mas o estilista não foi sua única vítima: foi o quinto homem que ele assassinou em um intervalo de umas poucas semanas. Por algum motivo, Cunanan cruzou uma linha e não achou mais o caminho de volta. Nem o procurou, na verdade. Ryan Murphy reconstitui seu protagonista em uma chave próxima do delírio: Cunanan estava numa “nóia” provocada não por alguma droga, mas pelo barato de matar com extrema violência e/ou longa tortura psicológica. A sensação é de que ele estava ora anulando, ora incorporando suas vítimas. Eis aí o que torna tão fascinante: Cunanan devora ou excreta os aspectos simbólicos dos homens que mata como uma maneira de se preencher ou de conhecer a si mesmo, porque não tem a menor ideia de quem seja na verdade. A série – e, por extensão, o espectador – vai tentar juntar os pedaços e formar o mosaico de sua identidade junto com ele. E é perturbadora, às vezes insuportável, a sensação de entrar na desorientação de Cunanan e, de certa forma, de tornar-se cúmplice dele.

American Crime Story: O Assassinato de Gianni Versace
(Netflix/Divulgação)

Para cumprir essa missão, O Assassinato segue uma estrutura interessante: começa pela morte de Versace, recua dois passos e avança um; recua mais três, avança outro – e assim vai. No oitavo episódio, chega-se afinal ao início mesmo da história, com a infância de Cunanan. E, no episódio seguinte, o último da temporada, vê-se o que aconteceu depois do assassinato que dá título à série. Ryan Murphy, de Glee e American Horror Story, é excelente narrador, e não está tentando confundir o público com esse vai-e-volta. Está tentando recompor Cunanan da forma como ele teria sido investigado: começando, primeiro, pelos aspectos factuais ou superficiais – jovem, gay, oportunista, mentiroso compulsivo. Depois, focalizando um assassinato de cada vez e retrocedendo nele, para ver como Cunanan chegou ali. A diferença é que a série não se satisfaz com os aspectos factuais, como faria uma investigação policial: Murphy tem o desejo intenso de mergulhar no personagem em cada oportunidade, e usar o que descobriu até ali para avançar adiante, e então entender mais.

Continua após a publicidade
American Crime Story: O Assassinato de Gianni Versace
(Netflix/Divulgação)

Murphy usa a mesma estrutura para recompor também as vítimas, porque quem elas são e por que foram escolhidas diz muito sobre o homem que as assassinou – e porque torna terrivelmente dolorosa a perda tão fútil e abrupta dessas vidas em particular. À exceção de um homem que teve o azar de estar no lugar errado, Cunanan assassinou dois jovens de quem era muito próximo: tinha sido grande amigo de um deles e estava apaixonado pelo outro. Matou também um homem idoso e milionário com quem tivera encontros pagos. Uma vítima casual, três que ocultavam sua homossexualidade de quase todo mundo e uma outra – Gianni Versace – que assumira ser gay com muita repercussão, dois anos antes, numa entrevista à revista The Advocate. Mas por quê?

American Crime Story: O Assassinato de Gianni Versace
(Netflix/Divulgação)

À medida que O Assassinato recuava e avançava, explorando as possíveis respostas, Darren Criss foi me horrorizando e também partindo meu coração com sua personificação de Cunanan. Tanto quanto a violência dele, me chocou a sua incapacidade de desistir de suas mentiras e invenções: sua loucura já era mesmo sem remédio. Mas, quanto mais Darren Criss revela do desespero que está por trás dessas mentiras, da necessidade delas como uma última tábua de salvação e uma última ligação com a sanidade (e não posso imaginar como deve ser difícil a um ator se jogar assim, com  tanta bravura, em um personagem como esse), mais penalizante se torna a trajetória de Cunanan. A loucura com frequência nasce dentro da família, e vê-se que a de Andrew Cunanan, filho de uma ítalo-americana e de um imigrante filipino, era disfuncional de formas extremas e verdadeiramente patológicas: um misto tenebroso de abuso de um lado e de negação do outro, de culto à pessoa combinado à destruição da personalidade. Cunanan nunca teve a menor chance. Nem ele, nem suas vítimas: foram todos tornados vulneráveis por serem obrigados a carregarem a si mesmos aos pedaços, e em segredo.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.