“Nobel”: comece já a maratona
Excelente, a série norueguesa da Netflix segue um soldado do Afeganistão a Oslo, no centro de uma conspiração
É uma dessas situações que rapidamente saem de controle: o destacamento das Forças Especiais norueguesas no Afeganistão tem que identificar um possível homem-bomba no movimentado mercado de rua de Cabul. Soldados circulam entre a multidão, vigias estão postados no alto de prédios e Erling Riiser (Aksel Hennie), o sniper, está seguindo todos os suspeitos potenciais com sua mira – até que encontra o alvo certo, e o abate. Mas não se trata de um homem-bomba comum e, assim que ele cai no chão, a população começa a se amotinar. Uma mulher vem correndo, Erling a segura, e aí o caos começa de verdade: ele tocou numa afegã – e na afegã errada. A partir desse incidente, a excelente Nobel volta, em oito episódios, a uma série de acontecimentos anteriores ao incidente do mercado, e os liga a muitos eventos mais que se seguirão. No centro de todos eles, sem nem ter ideia de como foi parar nessa situação, está Erling.
Na Noruega, Erling é bem casado (com a assessora do ministro de Relações Exteriores, a quem ele é parcialmente subordinado), bom pai e bom filho. No Afeganistão, ele é parte de uma força vista como consideravelmente menos agressiva que as forças americanas, mas nem por isso bem-vinda ou benquista. Como membro das Forças Especiais, ele participa de operações sigilosas e duvidosas e vive o terror cotidiano dos ataques de civis, dos explosivos improvisados no caminho dos comboios e da certeza frustrante de que nada que ele e os companheiros façam ali vai adiantar alguma coisa; esse é um país perdido – e, como diz à mulher, num diálogo que a deixa totalmente chocada, mata quem for preciso matar, do jeito que for necessário, e nunca pensa mais a respeito depois. A vida do Afeganistão, porém, segue Erling a Oslo de maneiras imprevistas durante uma licença dele, num angu-de-caroço daqueles.
Entre os muitos méritos de Nobel, estão a clareza e o rigor com que o roteiro vai seguindo os fios do emaranhado, o ótimo desenvolvimento de personagens e a direção rica mas limpa, na melhor tradição do novo cinema escandinavo – créditos devidos aí ao criador e showrunner Per-Olav Sorensen. O grande trunfo da série, porém, é mesmo o espetacular Aksel Hennie, de filmes escandinavos como Max Manus, Mergulho Profundo e Headhunters (no qual ele arrasa), e de produções americanas como Hércules, Perdido em Marte e a segunda fase de 24 Horas. Provocar empatia, afeto e admiração moral por um sujeito capaz de matar três homens em dez segundos, com as mãos nuas, não é necessariamente uma tarefa simples. Mas Aksel Hennie, com seus olhos extraordinariamente expressivos, tira de letra, e cria um protagonista em que, apesar do desgosto que ele às vezes sente consigo mesmo, as atitudes mais carinhosas nascem exatamente no mesmo lugar em que os gestos mais letais – no caráter e na compaixão.