Perdeu-se o rebolado
Magic Mike XXL mantém todos os ingredientes do sucesso original de 2012, menos a direção de Soderbergh – e, sem ela, fica também sem a finesse, a graça e a visão.
Mike deixou para trás seu passado de stripper antes que ele se tornasse seu único futuro: foi morar com a namorada, investiu tudo que tinha no seu negócio de fabricação de móveis sob encomenda, paga aluguel, come direito, dorme na hora certa. Mas, depois de três anos andando na linha com resultados muito aquém do esperado, aquela euforia de tirar a roupa no palco, rebolar, ouvir as mulheres gritando – aquela bolha de fantasia na qual ele vivia todas as noites – volta a exercer seu apelo. Mike decide que tem de se apresentar uma última vez, na convenção anual de strippers (sim, isso existe), em companhia de seu velho grupo. As razões para a existência de Magic Mike XXL, que estreia no país nesta quinta-feira, são tão frágeis e fortuitas quanto os motivos de Mike para revisitar seus tempos de glória como “entertainer masculino”: o primeiro Magic Mike, dirigido por Steven Soderbergh com sua agudeza habitual, foi um sucesso inesperado: financiado pelo próprio diretor e pelo protagonista Channing Tatum com 7 milhões de dólares tirados do bolso, rendeu 167 milhões e virou objeto de culto. E o elenco, que além de Tatum inclui Joe Manganiello, Matt Bomer, Kevin Nash, Adam Rodriguez e Gabriel Iglesias, ficou amigo e divertiu-se à beça. Por que, então, não fazer tudo de novo?
Uma boa razão para não fazer: filmes não são experimentos conduzidos em condições controladas. Sua química é quase sempre acidental, e raras vezes os elementos que entraram na reação são inteiramente compreendidos. Soderbergh (aqui só como produtor, diretor de fotografia e montador) e Tatum, em cuja experiência como stripper a história se inspirava, talvez tenham atribuído a popularidade do filme de 2012 ao desfile desinibido de peitorais e glúteos – na divertida campanha de promoção de Magic Mike XXL, aliás, várias mulheres entrevistadas diziam querer exatamente isso da continuação, menos enredo e mais músculos. Mas o que o primeiro Magic Mike de fato capturou foi a inocência do strip-tease masculino, que em geral é vulgar mas doce, e todo feito de imaginação e teatralidade – uma brincadeira de que a plateia participa em coletivo, junto com os dançarinos. Magic Mike XXL, porém, envereda pelo clima mais sórdido e objetificante que em geral se associa ao strip-tease feminino: há muito sexo simulado no palco e muito dinheiro chovendo sobre os strippers, muito “vamos partir para o abraço” mas pouca graça e pouca fantasia. É particularmente desagradável a personagem interpretada por Jada Pinkett-Smith, uma mestre de cerimônias que personifica o olhar equivocado deste Magic Mike XXL, no qual a liberdade sexual feminina é confundida com o direito de ser cafajeste.
Eis, então, para o que serve um diretor com visão. Para entender que quando se tem a sorte de ter um protagonista como Channing Tatum não se remove dele o que ele traz de melhor para um papel como esse – a franqueza e a leveza. E para perceber que, quando se consegue de Joe Manganiello uma cena como aquela em que ele improvisa um show numa loja de conveniência para fazer a balconista mal-humorada sorrir, ela não é só ponto alto do filme – é o rumo que se deveria seguir. Ao ceder a direção para seu assistente de longa data, Gregory Jacobs, Soderbergh não privou Magic Mike XXL de um de seus ingredientes cruciais, apenas: roubou dele a própria razão de ser.
Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 22/07/2015
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2015
Trailer
Magic Mike XXL
Estados Unidos, 2015Distribuição: Warner