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“Game of Thrones”: Estão todos insatisfeitos? Então está tudo certo

Uma fantasia medieval escrita para o presente, GoT terminou defendendo sua melhor tese, a de que o poder exercido como prêmio ou direito é um poder espúrio

Por Isabela Boscov Atualizado em 23 Maio 2019, 19h36 - Publicado em 20 Maio 2019, 18h01

Atenção: Contém Spoilers

Foi um pesadelo ouvir Daenerys discursar para os dothrakis e os Imaculados: entre os cadáveres dos milhares de mortos e sob as cinzas que ainda caíam sobre Porto Real, a rainha falou como se toda aquela destruição fosse a beleza que seu reinado teria a oferecer – não só a Westeros, mas ao mundo, que ela transformaria inteiro com o seu fogo missionário. Foi um custo Jon Snow se convencer do que devia ser feito. Mas, afinal, ele o fez, e se destruiu ao fazê-lo; nunca ele seria capaz de governar por sobre o cadáver de Daenerys. Nem que o permitissem, ele conseguiria. Foi tudo, então, como deveria ser: o dragão derreteu o Trono de Ferro por luto e vingança, mas assegurou assim que esse símbolo de um poder supremo ficasse para sempre fora do alcance dos pretendentes a ele. Encorajados por Tyrion, os sobreviventes das principais famílias de Westeros escolheram como novo governante um indivíduo com capacidade, e sem nenhum carisma – e, portanto, de potencial quase nulo para contagiar as massas com febres populistas. Sansa garantiu a independência do Norte e instaurou os primeiros mecanismos de um necessário sistema de contrapesos e salvaguardas.

Game of Thrones - Final
(HBO/Reprodução)

E Jon Snow, banido para a Patrulha da Noite como forma de dar uma satisfação aos partidários mais fiéis de Daenerys, saiu da história para, finalmente, entrar na vida: além da Muralha, na companhia dos Selvagens, sem fama nem força, ele teve seus dias mais felizes. Jon foi um negociador hábil, capaz de costurar alianças graças à visão política e à reputação de homem justo e incorruptível, mas fugiu sempre das decisões mais duras. Faltou-lhe estômago, sempre, para calcular quanto sacrifício alheio seria aceitável; diante de uma conta como essa, ele todas as vezes fraquejou. Se matou Daenerys, é porque ele, e só ele, pagaria o preço. Na imensidão gelada, aplicando sua visão civilizatória às duríssimas relações humanas locais, ele é muito mais útil do que à frente de Westeros.

Game of Thrones - Final
(HBO/Reprodução)

E, no entanto, Game of Thrones termina sob vaias, insatisfação, indignação e até uma pequena revolta popular, na forma de um abaixo-assinado que pede a refeitura da sua oitava temporada. É fato que, em certos momentos, a execução pecou pela falta de habilidade: a temporada final teve variações frustrantes de ritmo, às vezes levando a trama em um lentíssimo banho-maria, outras vezes apressando as resoluções. No episódio final, a primeira reunião do Pequeno Conselho real foi tão fora de tom que até das galerias se ouviu o desafino – e saiu meio desajeitado também o encontro de cúpula que definiu que Bran Stark seria o novo rei de Westeros, e qual destino se daria aos assim-chamados traidores Tyrion Lannister e Jon Snow. Mas a primeira parte do episódio foi acachapante. E ele inteiro foi impecável no sentimento e nas ideias: contra o messianismo, contra os destinos divinos ou manifestos, contra a faccionalização, contra o aquinhoamento das punições e revanches – e a favor da evolução dos sistemas políticos, das soluções negociadas, do exercício do poder como uma obrigação pública e não um direito ou um prêmio.

Game of Thrones - Final
(HBO/Reprodução)

Criadores do maior fenômeno pop da história moderna da televisão, David Benioff e D.B. Weiss escreveram para o presente a sua fantasia medieval. Trataram da desagregação política e institucional extrema – a Guerra dos Tronos deflagrada justamente pela tentativa de assassinato do então pequeno Bran Stark – como uma defesa da tese de que ciclos de rupturas não precisam se prolongar indefinidamente, mas podem às vezes ser encerrados de forma racional, por acordo (“ninguém está completamente feliz, o que suponho ser um resultado justo”, diz Tyrion). Mas, durante as últimas semanas, Benioff e Weiss foram encurralados pelas massas – algumas vezes pelas falhas de execução, mas quase sempre por um único e esdrúxulo motivo: não dar aos protagonistas os desfechos que o público havia imaginado para eles, ou pelos quais ansiava. Crianças ficam bravas quando, ao contar uma história pela centésima vez, o pai ou a mãe se desviam em algum detalhe da versão estabelecida; na infância, ainda aprendendo a manejar as ferramentas do raciocínio abstrato e da relação entre imaginação e fato, precisamos que a história se desenrole sempre da mesma forma, porque a possibilidade de infinitas variações seria esmagadora para o nosso ainda rudimentar equipamento emocional. Para quem já está em idade de assistir a Game of Thrones, isso não deveria ser mais problema. Aliás, derrota-se assim tudo que Benioff e Weiss quiseram demonstrar – que querer não é poder, e frequentemente o melhor que se pode querer é que todos terminem mais ou menos insatisfeitos. Em geral, é esse o resultado mais justo.

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