“Eu fazia John, minha irmã era Paul”, lembra diretor de ‘Yesterday’
Danny Boyle falou a VEJA sobre suas primeiras lembranças dos Beatles e contou o que redescobriu ao filmar o novo longa
Sua adolescência se deu na Manchester do movimento punk, que não é bem o cenário que se associa aos Beatles. Foi fã deles em algum momento? Eu mais convivi com os Beatles do que fui fã deles. Quando a banda explodiu, em 1964, eu tinha 8 anos. Enquanto meus pais ouviam os singles do grupo, minhas irmãs e eu brincávamos de imitar os quatro. Uma delas fazia Paul McCartney, porque era apaixonada por ele; eu fazia John Lennon, e minha outra irmã tinha de ser George Harrison ou Ringo Starr. Quando completei 14 anos, eles se separaram, e a essa altura eu já estava mais interessado em coisas como David Bowie. Mas é impossível crescer na Inglaterra sem os Beatles na memória.
A música pop, aliás, sempre foi uma parte crucial dos seus filmes. A Inglaterra é uma ilha, e no entanto os caminhos musicais que um inglês pode percorrer na vida são extraordinários. O pop salvou a Inglaterra do pós-guerra com sua vitalidade, e nunca parou de se renovar. Diz-se que cada um de nós consegue se relacionar de modo significativo com uma centena de pessoas, no máximo. Para estabelecer uma conexão além desse limite tribal, é preciso um sistema de crenças que una as pessoas, como o dinheiro e a religião. Eu prefiro a cultura, porque ela é um sistema para o qual qualquer pessoa pode contribuir — e na Inglaterra o pop brota em todo lugar.
O que redescobriu a respeito dos Beatles com Yesterday? O que me espantou é que Paul, que tem a reputação de ser um compositor de melodias pop fáceis, na verdade imprime às suas músicas uma tristeza e um sentimento excepcionais. Isso nos ajudou a decidir onde usar quais canções: as de Paul são tão tocantes que é preciso sempre intercalá-las com outras para quebrar o clima.
Publicado em VEJA de 4 de setembro de 2019, edição nº 2650