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Dunkirk

O cinema em todo o som, fúria e emoção: ou a Academia dá o Oscar para Christopher Nolan, ou de Academia ela não tem nada

Por Isabela Boscov Atualizado em 28 jul 2017, 18h11 - Publicado em 27 jul 2017, 12h32

Para quem ainda acredita em Oscar, aí vai uma informação relevante: o inglês Christopher Nolan, um dos mais ambiciosos, intrépidos, talentosos e competentes cineastas em atividade hoje, nunca foi indicado ao prêmio de direção. Nem por Amnésia, nem por qualquer um dos filmes da trilogia O Cavaleiro das Trevas, nem por A Origem, nem por Interestelar. Agora, se no ano que vem a Academia de Hollywood de novo tiver o topete de passar por cima de Nolan e seu Dunkirk – aí é para esquecer que o Oscar existe mesmo. Dunkirk é uma criatura que surge muito raramente: um filme de fazer história e de entrar para a história, e uma experiência cinematográfica como nenhuma outra que você já teve. Assista na maior tela que encontrar e veja se você não vai querer se jogar no chão junto com os soldados ingleses sobre os quais choviam as bombas alemãs na praia de Dunquerque, na França, ou se não sente o mesmo desespero que os homens nos navios que pegavam fogo e afundavam em segundos ao ser torpedeados pelos nazistas. Deixe-se contaminar pelo desalento dos rapazes que a cada hora tinham mais claro que iam morrer ali, com a Inglaterra à vista do outro lado do Canal da Mancha, mas inatingível – e prove da emoção de ver ingleses e inglesas comuns chegando às centenas em barquinhos para tentar resgatá-los. Não tenho vergonha de dizer que, no final, chorei desbragadamente. Em Dunkirk, Nolan maneja aspectos técnicos dificílimos, filmando em Imax e no formato expandido de 70 milímetros, e optando por capturar ação real com câmera em vez de apelar para efeitos digitais, para levar o cinema ao mais extraordinário de que ele é capaz: pôr o espectador na pele de uma outra pessoa e fazê-lo viver uma experiência que não há como descrever a contento. E que, até aqui, nunca havia sido recriada com tamanha intensidade. Nem tanta beleza.

Leia a seguir a resenha completa:


Do Horror ao Sublime

Dunkirk, do inglês Christopher Nolan, é uma experiência implacável na sua reconstituição de um episódio da II Guerra Mundial, e magnífica em seu virtuosismo e inspiração

A praia é rasa, e só na ponta do molhe que avança pelo mar é possível atracar os destróieres que tentam recolher as filas intermináveis de soldados – dezenas de milhares deles, abatidos pela derrota que permitiu aos nazistas arrebanhá-los na cidade francesa de Dunquerque, encurralados contra as águas do Canal da Mancha. Ao relento, sem provisões e sem chance real de resgate, os cerca de 400 000 ingleses, franceses e belgas vão passar mais de uma semana expostos, na praia imensa, tentando a sorte na loteria das explosões: os alemães apenas deixam as bombas cair dos aviões, matando a esmo. A cada voo rasante, a sala de cinema inteira guincha, e então ribomba e trepida. Ou se é bombardeado em terra ou já no mar, pelos torpedos que incendeiam os navios carregados de homens. Dunkirk é uma experiência implacável – mas não à maneira incessante dos célebres vinte minutos iniciais de O Resgate do Soldado Ryan. Na recriação do inglês Christopher Nolan, a imersão no caos vem sobrepesada pelo desalento e pela impotência e, ao final, por um acontecimento tão extraordinário que, da derrota quase fatal para Adolf Hitler, a Inglaterra em um único dia encontrou toda a fibra para suportar mais cinco anos de guerra feroz.

Dunkirk
(Warner/Divulgação)

Nolan, de A Origem, Interestelar e da trilogia Cavaleiro das Trevas, é um diretor que se atira à tarefa de expandir o escopo técnico e narrativo do cinema. Mas aqui ele atinge um virtuosismo e um impacto fora até de seus padrões: rodado em 70 milímetros, no sistema Imax, com “o mínimo incontornável” de efeitos digitais (leia a entrevista com o diretor aqui), até 4 000 figurantes em cena e ação real, captada em câmera, Dunkirk é ambicioso e majestoso como quase nada mais o é hoje. Da imagem ultranítida do Imax, da qualidade tátil das cenas e do uso mesmerizante da profundidade de foco, Nolan extrai uma história intensa: entre 26 de maio e 4 de junho de 1940, nove meses após o início da II Guerra Mundial, os Aliados sentiram-se perto de sere engolidos pelo III Reich. Quase meio milhão de homens pereceriam em Dunquerque; refazer os exércitos seria impossível à Inglaterra, e mais ainda à França, já fervilhando de alemães.

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Dunkirk
(Warner/Divulgação)

O desespero absoluto foi revertido pelas centenas de ingleses e inglesas que, no 4 de junho, saíram de casa para ir à guerra e atravessaram o Canal da Mancha em barquinhos de pesca, lanchas, botes, iates de passeio e traineiras para carregar eles mesmos os soldados para a Inglaterra, ou então levá-los até navios maiores em alto-mar. A conta oficial é de 340 000 homens salvos: a maior operação de resgate já registrada, e uma vitória épica arrancada aos dentes mesmo da derrota. Assinalada pelo primeiro-ministro Winston Churchill com um discurso arrebatador (“Lutaremos nas praias, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; não nos renderemos jamais”), a evacuação de Dunquerque transubstanciou a calamidade. Sem a união instigada por ela, os ingleses talvez não tivessem resistido aos dezoito meses que se passariam ainda para os americanos juntarem seu poderio ao dos Aliados.

Dunkirk
(Warner/Divulgação)

Esses dois fatores – a derrota militar e a ausência dos americanos desse trecho da história – fazem da evacuação um evento raras vezes visitado. Nolan, porém, mergulha nele. Com pouquíssimos diálogos, uma abordagem sensorial (em que os movimentos expressivos dos conjuntos humanos são importante elemento narrativo) e uma linha de tempo fragmentada, o diretor se cola a um punhado de personagens. Não há cenas gerais de batalha ou sucessão linear de eventos para situar o espectador. Ao contrário, ele acompanha simultaneamente três fios distintos: a semana que os soldados passaram na praia, o dia que os barquinhos levaram para cruzar da Inglaterra à França, e a hora de voo que cada caça permaneceu no ar nessa última etapa.

Dunkirk
(Warner/Divulgação)

Desde o início, o domínio de Nolan para a narrativa se apresenta com brilho. Numa cidade deserta, os panfletos despejados pelos alemães vêm caindo, carregados pela brisa: “Rendam-se”, dizem eles aos soldados que os apanham nas ruas, onde estes caminham em silêncio, bebem de uma torneira, olham as casas vazias. De repente, a desorientação do fogo aberto. E, à medida que cada rapaz é abatido, o diretor se põe atrás do único a escapar – o menino interpretado pelo desconhecido (e notável) Fionn Whitehead. Por meio dele, chega-se ao molhe, onde o almirante vivido por Kenneth Branagh tenta embarcar os soldados. Deles, vai-se ao mar: aos torpedos que lançam os homens à água (junto com os operadores de câmera), ao homem de gravata (Mark Rylance) que atravessa a Mancha num iatezinho, ao oficial em choque (Cillian Murphy) que ele recolhe de uma carcaça naufragada. E, no ar, em caças em voo maquiados para parecerem Spitfires, Tom Hardy e Jack Lowden (mais, de novo, os cameramen) são os pilotos em perseguição aos Messerschimtts e Heinkels alemães que tentam bombardear tudo abaixo deles. Dunkirk exaure o espectador com a tensão. E então o extasia com a incongruência sublime: as donas de casa de lenço na cabeça, os homens de boné e suéter, as crianças de calça curta que chegam para salvar os soldados dados como perdidos.

Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 26/07/2017
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2017

Trailer

DUNKIRK
Estados Unidos/Inglaterra/França/Holanda, 2017
Direção: Christopher Nolan
Com Fionn Whitehead, Tom Hardy, Mark Rylance, Kenneth Branagh, Cillian Murphy, Aneurin Barnard, James D’Arcy, Jack Lowden, Barry Keoghan, Harry Styles,
Distribuição: Warner

 

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