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Por Coluna
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“Bosch”: um detetive de Los Angeles no comando da melhor maratona policial

Agora na sexta temporada, série da Amazon é um prazer robusto e um exemplo de como atualizar a essência do noir

Por Isabela Boscov Atualizado em 14 Maio 2020, 19h28 - Publicado em 14 Maio 2020, 18h56

Uma das coisas que mais me agradam em Bosch é a solidez – a da série e a do personagem. Detetive veterano da divisão de Hollywood, Harry Bosch é como um cachorro com um osso; é fisiologicamente incapaz de ser negligente com uma investigação ou deixar um caso pela metade, por mais que isso custe à sua carreira e à sua já muito reduzida vida pessoal. Harry, porém, não é um justiceiro nem um vingador. É um constitucionalista, digamos assim: um cara calmo, que não intimida nem faz ameaças porque está em posição de fazê-las; quando briga com alguém, esse alguém está no mesmo pé que ele ou em situação de vantagem. Demonstrações de força em cima de quem não pode revidar são, no código de Harry, transgressão grave. Harry também costuma reservar julgamentos. Ele foi criança de orfanato; sua mãe, uma prostituta, foi assassinada quando ele era menino. E, por ser ela prostituta – algo que Harry não esconde de ninguém –, o crime nunca foi investigado com um mínimo de afinco. Essa experiência acabou se tornando formativa para a visão de mundo de Harry e para a sua conduta profissional: ou toda vítima conta, ou então ninguém vale nada. Harry, enfim, conseguiu fazer com que a desgraça e a amargura amadurecessem na forma de generosidade e de um senso de justiça próximo do impecável. De começo, eu não tinha certeza de que fosse assim, porque Harry volta e meia está encrencado com investigações internas e não é exatamente querido pela Corregedoria. Mas um dos deleites de Bosch é que, ao longo da seis temporadas – a sexta entrou há pouco na Amazon, que a produz –, o ator Titus Welliver e os roteiristas nunca pararam de desenvolver e aprofundar o personagem criado pelo autor americano Michael Connelly. Harry continua a crescer e a revelar mais facetas e novos ângulos pelos quais se pode considerar uma situação. Neste momento em que a truculência que emana do Planalto chega a ápices nunca imaginados, acho Bosch reconfortante; ainda que seja na ficção, em algum lugar a decência persiste.

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Bosch
(Amazon Prime Video/Divulgação)

Michael Connelly escreve livros protagonizados por Harry Bosch há quase trinta anos. Não só Connelly é um produtor muito envolvido com a série – supervisionada por Eric Overmeyer, de séries exemplares como Homicide: Life on the Street, Law & Order e The Wire –, como teve a palavra final na escolha excelente de Titus Welliver para o papel. Essa sintonia da equipe e a escalação primorosa do elenco permitem que Bosch siga uma estrutura complexa, embora sem ostentação: cada temporada começa com um grande caso, que passa por uma virada inesperada lá pela metade dos episódios – mas acontecimentos da temporadas anteriores “vazam” para dentro das temporadas seguintes, repercutem nelas e às vezes ganham redefinições. Fica com aquele sabor autêntico de vida real, algo que é acentuado pela maneira como a série é filmada, com um naturalismo discreto e quase toda em locação, na rua. Bosch usa muito, e muito bem, aquele bate-perna da investigação policial: tocar a campainha de uma casa, esperar que venham à porta, ter uma conversa que aparentemente não leva a nada com a pessoa que atendeu – detalhes que vão se acumulando e que antes eram considerados “tempo morto” dramatúrgico, mas que ganharam uma nova relevância justamente em séries como essas produzidas por Overmeyer que eu citei: é nesse trabalho braçal diário, de aspecto às vezes fútil, que um detetive exercita sua inteligência e sua capacidade de observação e de associação. Harry é bom nisso, porque ouve mais do que fala, e observa mais do que se faz ver.

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Bosch
(Amazon Prime Video/Divulgação)

Outro prazer imenso da série é o relacionamento de Harry com sua filha, Maddie (a ótima Madison Lintz), que entrou na segunda temporada como pré-adolescente e agora já está na faculdade e estagiando. Maddie morava com a mãe, uma ex-agente do FBI caída em desgraça de quem Harry estava havia tempo divorciado mas por quem ainda tinha um fraco. Às vezes, Maddie passava algum tempo com o pai – cada vez mais, de temporada em temporada, por razões várias. Agora, eles vivem juntos na casa envidraçada que Harry tem no alto das colinas de Hollywood (um de seus casos virou filme, e ele usou o dinheiro dos direitos autorais para comprar o imóvel; é o único bem de algum valor que ele possui, além da coleção invejável de jazz dos anos 50 aos 70). Maddie e Harry são parecidíssimos: reservados, aplicados, perfeccionistas, inteligentes, extremamente independentes nas opiniões e ações. A semelhança não torna a convivência mais fácil, mas a torna muito mais interessante, já que ambos acreditam também em negociar tanto os limites quanto as concessões. É um dos aspectos em que a excelência com que a série é escrita se manifesta: em vez de ser um enredo à parte das investigações policiais que norteiam a trama, o relacionamento entre Maddie e Harry é um terreno de debates éticos e morais – e um casulo aconchegante, em que amor, respeito e orgulho mútuos são demonstrados de forma extraordinariamente contida, e por isso mesmo muito comovente. Gostei de Bosch desde a primeira temporada. Mas agora, no meio do pandemônio, ela virou meu lugar de repouso: são tão terríveis as coisas que Harry vê todos os dias, no trabalho – e, ainda assim, apesar do cinismo e da desilusão que vão se acumulando, ele não desanima de acreditar que, mesmo que seja de pouco em pouco, ser justo é tudo.

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