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Por Coluna
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“Assunto de Família” e “Cafarnaum”: Oscar para todo mundo, por favor

“Roma”, do México, vem como um trator na categoria de filme estrangeiro – e, por mais que mereça o prêmio, vai atropelar estas joias do Japão e do Líbano

Por Isabela Boscov 19 jan 2019, 19h32

Não há dúvida de que, com Roma, o mexicano Alfonso Cuarón emplacou um trabalho de rara beleza e também de indiscutível importância para a discussão acalorada, e nem sempre razoável, que opõe a produção de cinema e o streaming. A esta altura, é dado como líquido e certo que Roma não apenas vai aparecer em várias categorias na lista de indicações ao Oscar que sai na manhã desta terça-feira, 22 de janeiro, como será também o ganhador do prêmio de produção estrangeira. Merece. E, no entanto, essa probabilidade me deixa ao mesmo tempo feliz e triste, porque está forte como nunca a lista deste ano de nove candidatos às cinco vagas do Oscar de filme estrangeiro. Já sofro em antecipação pelos cineastas que ficarão de mãos abanando – entre os quais Florian Henckel von Donnesmark, da Alemanha, que ganhou em 2007 com A Vida dos Outros e volta agora com Werk ohne Autor (Obra Sem Autor); o polonês Pawel Pawlikowski, que ganhou com Ida em em 2015 e apresenta este ano Guerra Fria (estreia prevista aqui para 7 de fevereiro); pela Dinamarca, o estreante Gustav Möller e seu potente Culpa; o colombiano Ciro Guerra, de O Abraço da Serpente, que vem com Pássaros de Verão. E, principalmente, sofro por Assunto de Família, do japonês Hirokazu Koreeda, e por Cafarnaum, da libanesa Nadine Labaki, que estão em cartaz nos cinemas brasileiros.

Assunto de Família
Assunto de Família (Imovision/Divulgação)

Nadine Labaki fez muito sucesso ao redor do mundo com seu doce Caramelo, de 2007, sobre os dramas pessoais de um punhado de mulheres – cabeleireiras e freguesas – de um pequeno salão de beleza em Beirute. Seu Cafarnaum, porém, é furiosos e inflexível na maneira como acompanha a saga de Zain, um menino franzino de 12 anos que ela põe, aqui, como avatar de todos os miseráveis das favelas de Beirute, apinhadas de libaneses pobres e de mais de 1 milhão de refugiados chegados da Síria e da África nos últimos anos. Nadine usa desse cenário específico para falar da sentença que é a pobreza extrema em qualquer lugar do mundo – uma sentença que os filhos herdam dos pais, e que passam adiante aos filhos que ainda terão, numa punição eterna. Prepare-se para ser fustigado durante duas horas – e, no meio desse horror, encontrar momentos de uma beleza que vai direto ao coração.

Cafarnaum
Cafarnaum (Sony Pictures/Divulgação)

É aí, também, que Hirokazu Koreeda atinge o espectador com Assunto de Família, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes em maio passado e trata de um clã de pequenos marginais que acolhe uma menina de 5 anos abusada pelos pais. Koreeda embala a plateia no mesmo conforto e ternura que a garotinha encontra entre essas pessoas ligadas por laços algo obscuros (são parentes? não são? como foram parar juntos?). E então, na última meia hora, repentinamente tira-lhe o chão de debaixo dos pés. Já declarei meu amor pelo trabalho de Koreeda várias vezes aqui no blog; para mim, é um dos cineastas mais extraordinários em atividade no mundo. Deveria ter sido várias vezes indicado ao Oscar, e nunca foi. E, pelo jeito, neste ano vai ganhar a indicação mas não, que dó, a estatueta.

Leia a seguir as resenhas completas de Assunto de Família e Cafarnaum:


Tragédia Gentil

Com Assunto de Família, Hirokazu Koreeda deixa a plateia se sentir confortável e então a acerta no coração. Até na obra do mestre japonês, esta voltagem e pungência são inéditas

Osamu (Lily Franky) e sua mulher, Nobuyo (Sakura Ando), não são pessoas muito honestas, tampouco esforçadas: ambos têm empregos que levam daquele jeito, mas ficam felizes mesmo é quando roubam pequenos itens – um xampu, um salgadinho – das lojas, não raro com a participação do filho, o garoto Shota (Jyo Kairi). Junto com outra parente, eles se apinham na casa da avó, em meio a uma bagunça tão compacta que quase pode ser dividida em estratos geológicos. Mas o clã Shibata não é gente má. Eles se amam uns aos outros com uma alegria gentil, e imediatamente começam a amar também Yuri, de 5 anos (a fofésima Miyu Sasaki), que encontram passando frio na varanda dos pais e levam consigo para casa. O jantar vira um pernoite; o pernoite vira meses: Yuri é quietinha, esperta (tem um dom natural para furtar, aliás) e é também uma criança abusada pelos pais. Por que não deveria ficar com quem a ama e a trata com carinho?

Assunto de Família
(Imovision/Divulgação)

Durante aproximadamente noventa de seus 121 minutos, Assunto de Família cerca o espectador do mesmo conforto e graça que Yuri agora desfruta, deixando-o acomodar-se no mundo ameno desses pequenos e afetuosos marginais – para então, no ato final, virá-lo do avesso com a tragédia funda, calada e inapelável que o diretor Hirokazu Koreeda sempre soube existir no interior dessa história.

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Assunto de Família
(Imovision/Divulgação)

Vencedor da Palma de Ouro em Cannes e candidato do Japão ao Oscar de produção estrangeira, Assunto de Família rivaliza com Ninguém Pode Saber, de 2004, como melhor trabalho de Koreeda – um mestre do drama enganosamente simples e do retrato que apenas parece ser casual. Expoente do cinema japonês contemporâneo, Koreeda a cada filme faz, desfaz e refaz as definições de amor e família enquanto também seus personagens fazem, desfazem e remendam – ou não – seus laços. Não é raro que, ao fim de um filme seu, a plateia se veja simultaneamente arrasada e enlevada. Com esta jóia, porém, ele atinge, aos 56 anos, uma voltagem e uma pungência imprevistas até para uma obra como a sua. E, com ela, prenuncia uma maturidade artística cujos frutos mal é possível imaginar.

Isabela Boscov
Publicado originalmente na edição 2617 da revista Veja
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2019

Beleza Fulminante

Apoiada na atuação extraordinária de um pequeno refugiado, a diretora libanesa Nadine Labaki ilumina a tragédia das favelas de Beirute – ou de qualquer outro lugar – em Cafarnaum

Zain (Zain Al Fafeea) tem uns 12 anos (seus pais não sabem dizer) e tamanho de 7 ou 8. Franzino, com ossos de passarinho, sempre sujo e maltrapilho, o menino – o mais velho de uma penca de irmãos – empilha caixas de refrigerante, puxa botijões de gás por quarteirões, vende suco na rua e, de maneira geral, sustenta a família. Zain tem também uma fúria dentro de si: a indignação com a miséria abjeta em que vive, e a revolta com o pai e a mãe que não param de ter filhos e condená-los a esse mundo – e por isso mesmo, por terem-no obrigado a nascer, ele está processando os pais no tribunal. Ao qual comparece em algemas: alguma crise, possivelmente ligada à venda de sua irmã de 11 anos para um homem adulto, levou Zain a cometer um crime, pelo qual ele deve passar cinco anos preso.

Cafarnaum
(Sony Pictures/Divulgação)

Terceiro longa da libanesa Nadine Labaki, de Caramelo (2007) e E Agora Onde Vamos? (2011), Cafarnaum toma seu título da cidade em que Jesus realizou muitos de seus milagres e pregações. A referência é metafórica: de mais de 500 horas filmadas, a cineasta tirou 120 minutos de uma odisseia implacável pelas favelas de Beirute, no Líbano, país onde a chegada de mais de 1 milhão de refugiados tornou catastrófica uma situação que já era drástica. Todos os protagonistas – à exceção de Nadine, no pequeno papel da advogada do garoto – são não atores, e vivem na tela versões muito próximas de si mesmos, incluindo-se o juiz. Ninguém é mais extraordinário, no entanto, do que o refugiado sírio Zain Al Rafeea, que está em cena todo o tempo e infunde o filme com seu desespero, e com sua maturidade tristemente precoce.

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Cafarnaum
(Sony Pictures/Divulgação)

Cafarnaum convida a um lugar-comum: há, verdadeiramente, algo de materno na compaixão de Nadine – e também na ferocidade com que ela encampa a tragédia de Zain e a de Rahil (Yordanos Shiferaw), a imigrante etíope ilegal que o acolhe em certo momento e que confia ao garoto os cuidados de seu bebê. Yordanos foi presa dias depois de filmar, pelo mesmo motivo que sua personagem – falta de documentos. A desgraça, em Cafarnaum, é abissal. E sua beleza, fulminante.

Isabela Boscov
Publicado originalmente na edição 2618 da revista Veja
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2019

Trailers

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ASSUNTO DE FAMÍLIA
(Manbiki Kazoku/Shoplifters)
Japão, 2018
Direção: Hirokazu Koreeda
Com Lily Frank, Sakura Andô, Jyo Kairi, Miyu Sasaki, Mayu Matsuoka, Sosuke Ikematsu
Distribuição: Imovision
CAFARNAUM
(Capharnaüm)
Líbano/Estados Unidos, 2018
Direção: Nadine Labaki
Com Zain Al Rafeea, Yordanos Shiferaw, Haita “Cedra” Izzam, Kawsar Al Haddad, Fadi Yousef, Elias Khoury, Nadine Labaki
Distribuição: Sony Pictures
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