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Por Coluna
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Do gênio da Apple ao todo-poderoso do FBI, de um grande escritor a dois escroques: cinco vidas fascinantes (com toques de ficção)

Por Isabela Boscov Atualizado em 7 Maio 2018, 19h26 - Publicado em 7 Maio 2018, 19h24

1. O MAESTRO DA APPLE

Steve Jobs” dramatiza os conflitos íntimos mais candentes na vida do gênio da tecnologia – e imagina como eles podem ter impulsionado sua visão

“Quem você é? O que você faz?”

Da maneira como Steve Wozniak faz essa pergunta ao homem que muitos anos antes fundara junto com ele a Apple, ela não é uma indagação: é uma interpelação. Steve Jobs não era designer. Não escrevia código. Não seria capaz de soldar dois circuitos que fossem. E em várias ocasiões sua capacidade de gerir as próprias empresas foi posta em xeque. Wozniak quer assim desafiar o amigo: se ele a rigor não é nada, por que age como se fosse tudo? Jobs, interpretado com brilhantismo por Michael Fassbender, pisca por trás das lentes redondas dos óculos e diz, como se fosse óbvio: “Eu rejo a orquestra”. Em Steve Jobs, o personagem-título tem o direito de dar uma palavra sobre si mesmo – mas ela é só uma entre muitas outras.

Que nem se espere do filme, aliás, uma palavra definitiva sobre o visionário que redesenhou a passagem para o século XXI: o intuito não é retratar ou recriar, mas investigar. E o escopo da investigação conduzida pelo roteirista Aaron Sorkin e pelo diretor Danny Boyle é largo. Abrange desde a figura indecifrável em seu centro e as ligações (ou as desconexões) entre genialidade e caráter até uma discussão sobre o que é criar – é o ato de imaginar ou o de concretizar, o de enxergar ou o de antecipar? Steve Jobs, porém, está longe de se apresentar como um filme meditativo. É incessante, febril, tão intenso e implacável quanto seu próprio personagem – e é também estupendo. Sorkin, um dos maiores roteiristas da atualidade, parte da ideia que já orientara seu trabalho em A Rede Social e a radicaliza: embora a base do filme seja a biografia escrita por Walter Isaacson, seu Jobs não é personagem de uma biografia, mas sim de uma tragédia clássica, dividida em três atos. Cada ato corresponde a um momento distinto: o lançamento do Macintosh, em 1984; o do NeXT, em 1989; e o do iMac, em 1998. Preparando-se para essas apresentações, nos quarenta minutos que antecedem o início de cada um dos eventos, Jobs enfrenta, nos bastidores, os mesmos seis personagens. O mais crucial deles é Lisa, a filha que ele por muito tempo se recusaria a assumir. Estão lá também Chrisann Brennan (Katherine Waterston), a mãe de Lisa. John Sculley (Jeff Daniels), o executivo que se tornaria notório por demitir Jobs da própria empresa. Steve Wozniak (Seth Rogen), que quer de Jobs um reconhecimento que o amigo se nega a dar. Andy Hertzfeld (Michael Stuhlbarg), o criador do revolucionário sistema operacional do Macintosh. E, sempre do lado de Jobs, aturando seu temperamento tempestuoso e tentando chamá-lo à razão, está Joanna Hoffman (Kate Winslet, magnífica), a executiva de marketing da Apple. A câmera ágil de Boyle passa de uma a outra dessas figuras praticamente sem cortes e em tempo real, com os diálogos copiosos de Sorkin encadeando-se com fluidez virtuosística. No seu movimento constante de descobrir e redescobrir seu personagem, Steve Jobs acaba, sim, compondo um retrato. E ele é tocante.

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STEVE JOBS
Estados Unidos, 2015
Direção: Danny Boyle
Com Michael Fassbender, Kate Winslet, Jeff Daniels, Seth Rogen, Michael Stuhlbarg, Katherine Waterston

J. Edgar
J. Edgar (Warner/Divulgação)

2. O TODO-PODEROSO DO FBI

Em “J. Edgar”, o diretor Clint Eastwood faz com que pela primeira vez o temido e odiado diretor do FBI surja como um personagem inteiro

Da mesma forma que em 2010 fez um filme majestoso sobre a vida após a morte sem contradizer essa crença nem endossá-la, Clint East­wood encerrou 2011 com um feito de magnitude ainda superior: J. Edgar é uma biografia tracionada por correntes conflitantes, mas equânime, de uma figura tida como vil – o primeiramente admirado, depois temido e por fim demonizado John Edgar Hoover, diretor do Bureau of Investigation de 1924 até sua morte, em 1972 (o “Federal” passou a compor a sigla FBI em 1935). O personagem que surge aqui na excelente interpretação de Leonardo DiCaprio é, pela primeira vez, o homem inteiro. Eastwood entende que as oposições dele são como ramos de um tronco; apontam em direções diferentes, mas nascem todas da mesma matriz. Por 44 anos, Hoover viveu algo próximo de um casamento com seu nº 2 no FBI, Clyde Tolson (Armie Hammer). E, no entanto, tudo indica que a relação, sempre apaixonada e passional, logo deixou de ser física. Acobertar, para Hoover, era uma necessidade visceral que ele manifestava antes de tudo em si próprio, para consigo mesmo.

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Este é um filme de época, ou épocas: Hoover, idoso, dita o livro que resumirá seu legado. Recua-se para 1919, quando, jovem e ambicioso, ele acorre à casa de seu chefe, que acaba de ser bombardeada por anarquistas. Eis a ameaça do pós-guerra, conclui ele: o avanço dos movimentos socialistas – e aí se inicia sua empreitada. De década em década, Eastwood acompanha os pontos-chave da trajetória de Hoover: a obstinação em se valer da ciência como método policial e criar bases de dados aptas a múltiplos cruzamento. Seu acúmulo implacável de influência, que fez dele o único homem plenipotenciário dos Estados Unidos no século 20 (Hoover atravessou os mandatos de oito presidentes sem que nenhum deles conseguisse infringir seu poder colossal). Suas maquinações sujas, como os arquivos secretos que mantinha sobre toda e qualquer figura com alguma relevância (a começar pelos presidentes). Seu ódio ao líder negro Martin Luther King e ao movimento pelos direitos civis, e sua esquiva tolerância para com a máfia. Sua adulteração, supressão e fabricação de documentos, com a qual cifrou para sempre partes inteiras da história, como o assassinato de John Kennedy. E, numa cena pungente, até seu nunca comprovado hábito de usar roupas de mulher.

O intuito de Eastwood é demonstrar que todo impacto que Hoover causou ele absorveu de volta, em seu próprio corpo até. DiCaprio, notável como o Hoover jovem, é uma força como o Hoover velho. Cada vez mais corpulento, com as feições adquirindo aquela aparência belicosa de buldogue, da maturidade em diante ele vai virando uma muralha de homem, como se tivesse somatizado sua fixação pela ideia de defesa da pátria. Ou, mais ainda, por outra ideia de defesa: a do seu poder e a de si mesmo contra seus impulsos. Parece descabido que se sinta compaixão por um personagem como Hoover. Mas, sem reduzir seus crimes, Eastwood sustenta que também ele pode necessitar dela, tanto quanto qualquer outro homem.

J. EDGAR
Estados Unidos, 2011
Direção: Clint Eastwood
Com Leonardo DiCaprio, Armie Hammer, Naomi Watts, Judi Dench, Josh Lucas, Jeffrey Donovan, Dermot Mulroney

VIPSs
VIPSs (Focus Features/Divulgação)

3. O HOMEM QUE ENGANOU ATÉ A SI MESMO

“VIPs” conta a história de seu protagonista, um escroque famoso, do jeito que ele não gostaria de vê-la narrada: sem glória, e com muito de patético

Na crônica policial brasileira, poucos casos são tão intrigantes quanto o do paranaense Marcelo Nascimento da Rocha. No início da adolescência, ele começou a praticar pequenos ardis – viajava de graça dizendo ser parente do dono da empresa de ônibus – e, deles, foi graduando-se em audácia até se tornar um caso de estudo: aos 16 anos, fingiu-se de agente especial da polícia e chegou a ganhar arma; aos 19, no Exército, passou-se por campeão de jiu-jítsu, e ainda promoveu um falso leilão de motos no quartel, do qual desertou – com o dinheiro. Em seguida, obteve brevê de piloto com nome falso e imiscuiu-se no narcotráfico, transportando cargas por ar entre o Brasil e o Paraguai (onde fez “amizade”, como descreveu, com Fernandinho Beira-Mar). Várias vezes Marcelo foi desmascarado e preso, e várias vezes se livrou da cadeia ou fugiu. E foi nessa condição, a de foragido, que em 2001 rumou para um Carnaval fora de hora no Recife e, no camarote vip, enturmou-se com modelos, atores globais, usineiros e colunistas sociais passando-se por filho do empresário Nenê Constantino e membro da diretoria das linhas aéreas Gol. Durante quatro dias, viveu vida de milionário. Foi festejado e bajulado; emprestaram-lhe um helicóptero para passear no balneário de Porto de Galinhas e um jatinho para viajar ao Rio de Janeiro (ele pilotou ambos). No Aeroporto Santos Dumont, a polícia já estava à sua espera. Nem aí ele saiu do personagem, contou em entrevista o ator Ricardo Macchi, um dos enganados, que o acompanhava no voo: disse que ia resolver um probleminha “e já voltava”.

É na confluência entre o distúrbio psicológico e a vocação criminosa que reside o interessante e muito fluente VIPs – Histórias Reais de um Mentiroso. Filmes que recompõem a trajetória de criminosos reais há muitos; oportunidades de criar uma versão ficcional colada a um personagem verídico como esse, e especular sobre como seria a sua estranha vida interior, são mais raras. Baseando-se no livro homônimo de Mariana Caltabiano, o roteirista Bráulio Mantovani e o diretor Toniko Melo tiram ótimo partido dessa chance. Descartam alguns episódios e ampliam outros, fazem Marcelo dialogar com um pai piloto que só ele vê – teria ele abandonado o filho, morrido, ou nem sequer existido? – e, quando necessário, inventam entrechos inteiros. Acertam, acima de tudo, na escolha do intérprete. Wagner Moura tem o dom específico de conter dentro de si o personagem de maneira tão completa e organizada que é possível “acessá-lo” em qualquer situação ou estado de espírito sem risco de soar uma nota falsa. Pouco a pouco, revela-se o propósito do trabalho orquestrado entre roteirista, diretor e ator: nesta encarnação meio documental, meio ficcional, Marcelo é um homem sem senso de identidade. Precisa ser outras pessoas, sempre mais espertas e maiores do que ele, porque a seus próprios olhos não é ninguém. É um narcisista e um mitômano – mas o filme mostra quão patética é a origem de suas fabulações. O próprio Marcelo se imagina grandioso e sagaz. VIPs, porém, não acredita nele nem por um instante.

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VIPSs
(Brasil, 2010)
Direção: Toniko Melo
Com Wagner Moura, Gisele Fróes, Emiliano Ruschel, Norival Rizzo

De Amor e Trevas
De Amor e Trevas (Handsomecharlie/Divulgação)

4. O ESCRITOR QUE VIU ISRAEL NASCER

Em “De Amor e Trevas”, a estreia de Natalie Portman na direção, a infância do escritor Amós Oz coincide com a do Estado de Israel

A vida como se alguém se lembra dela – com as ênfases e distorções que lhe dão uma esfera ficcional – é a matéria-prima de De Amor e Trevas, a estreia na direção de Natalie Portman. A atriz, nascida em Jerusalém e criada em Nova York, adapta aqui o belo livro de memórias do escritor israelense Amós Oz para empreender uma volta decidida à sua origem. Natalie, também autora do roteiro, interpreta (em hebraico) Fania, judia do Leste Europeu que escapou do Holocausto e se estabelece na Palestina ainda sob mandato britânico, sonhando com uma terra na qual todos possam caber e conviver, e na qual, em suas fantasias, ela se viu sempre ao lado de um homem arrebatador, tão talhado para cultivar quanto para guerrear.

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A realidade da vida de Fania e do nascimento do Estado de Israel é, porém, diversa: a tensão entre árabes e judeus se anuncia desde o início incontornável, mesmo nas mais triviais interações cotidianas; e Arieh (Gilad Kahana), o tímido e metódico marido de Fania, em nada se parece com o romântico que ela anteviu. É no filho, o pequeno Amós (Amir Tessler), que ela se refugia, depositando sobre ele sua sabedoria melancólica de fugitiva e a cultura oral de um Velho Mundo que desmoronou. Fania não resiste à confrontação com a realidade – mas, antes de morrer, já entreteceu seu passado com o presente e o futuro do filho. Na adaptação segura de Natalie, a memória é o palácio em que vivem a identidade judaica e também a pessoal.

DE AMOR E TREVAS
(A Tale of Love and Darkness)
Israel, 2015
Direção: Natalie Portman
Com Natalie Portman, Gilad Kahana, Amir Tessler, Ohad Knoller, Makram Khoury, Tomer Kapon, Alexander Peleg e a narração de Moni Moshonov

Profissão de Risco
Profissão de Risco (NewLine/Divulgação)

5. O PIONEIRO DO PÓ

Profissão de Risco”, com Johnny Depp, narra a ascensão e a queda do desbravador do mercado americano de cocaína

No início, tudo era festa. Sol, praia, garotas bonitas, aquelas músicas bacanas dos anos 60 e muito, muito dinheiro. Assim começou a carreira do americano George Jung, retratada em Profissão de Risco. Jung (Johnny Depp) era um empreendedor: os fundos para bancar toda essa alegria vinham do próspero negócio de distribuição de maconha, do qual ele foi um dos mais atirados pioneiros. A certa altura, foi detido com centenas de quilos da droga – e aí começou a etapa mais vertiginosa de sua ascensão. Jung burlou os termos de sua condicional para visitar a namorada (Franka Potente), que estava à morte, e foi parar na prisão. Lá, conheceu o colombiano Diego (Jordi Mollà), que tratou de apresentá-lo a outro “visionário”: Pablo Escobar (o estupendo Cliff Curtis), o chefe do Cartel de Medellín que até morrer, em 1993, foi um dos maiores distribuidores de cocaína do planeta. Jung se tornou seu braço americano. Praticamente instituiu o mercado dessa droga nos Estados Unidos e, entre os anos 70 e 80, traficou mais de 70% do pó que chegava até lá. Mas foi subjugado pela brutalidade do novo ramo. Um retrato seu no final do filme dá ideia da devastação acarretada por traficar e consumir cocaína – em ambos os casos, em quantidades monumentais.

De resto, porém, o diretor Ted Demme (1963-2002) se abstém de julgar o protagonista (que cumpriu cerca de duas décadas de pena até 2014), o que lhe trouxe uma saraivada de críticas. Seu Jung não é violento e não tem planos de destruir inocentes com seu comércio (embora o faça, claro). Na ótima interpretação de Depp, ele é uma espécie de otário esperto, que se acha capaz de nadar em meio aos tubarões e sair incólume. Sua meta é viver melhor do que o pai, um pobretão que agüentava insultos medonhos da mulher. É irônico que Jung tenha caído na mesma armadilha. Quando perdeu tudo, foi traído em todas as oportunidades pela mulher (Penélope Cruz, completamente histérica). Profissão de Risco, é verdade, não tem a densidade de um Traffic, e nem sempre consegue acompanhar o turbilhão de medo e violência em que Jung se meteu. Mas cumpre seu objetivo: contar uma história tipicamente americana, movida a dinheiro e ambição.

PROFISSÃO DE RISCO
(Blow)
Estados Unidos, 2001
Direção: Ted Demme
Com Johnny Depp, Penélope Cruz, Franka Potente, Rachel Griffiths, Cliff Curtis, Jordi Mollà, Paul Reubens, Ray Liotta, Miguel Sandoval

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